sexta-feira, 31 de julho de 2015

"A outra ponta", editorial da Folha de São Paulo

Mesmo quem segue de perto a Operação Lava Jato haverá de perder a conta em algum momento –se é que já não a perdeu. Tantas são as fases em que se desdobra a investigação da Polícia Federal sobre as propinas em contratos da Petrobras que a memória de seus detalhes naturalmente se perde no colossal conjunto do escândalo.

Tendo recebido o nome de Radioatividade, a mais recente etapa, desencadeada na terça-feira (28), é a 16ª da série, não havendo quem possa prever quantas mais virão.

Um aspecto, contudo, diferencia este capítulo dos que o precederam. Pela primeira vez, as lentes escrutinadoras se voltam para o setor elétrico. Estão sob suspeita, entre outras, as obras de construção da usina nuclear de Angra 3, estimadas em R$ 15 bilhões.

Do valor dos contratos, terá sido cobrado 1% em benefício de dirigentes da Eletronuclear. O presidente licenciado da estatal, o almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, teve sua prisão temporária decretada.

Se o almirante –que nos anos 1970 e 1980 dirigiu o programa secreto de enriquecimento de urânio da Marinha– aparece pela primeira vez na crônica aberta pelo petrolão, o mesmo não se pode dizer de outras peças da negociata elétrica.

Lá estão, sem surpresa, empreiteiras como Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa e UTC. Veio de dirigentes destas duas últimas empresas, já presos e em conformidade com o acordo de delação premiada, a denúncia das irregularidades na Eletronuclear.

Também as obras da hidrelétrica de Belo Monte e as relações das empreiteiras com a Eletrobras foram citadas por Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, e Ricardo Pessoa, dono da UTC.

Siga-se a linha pontilhada dos depoimentos, das acusações e dos contratos e o círculo se completa com o nome do ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e com seu partido onipresente e incansável, o PMDB.

Avancini afirma que a Camargo Corrêa pagou R$ 10 milhões ao peemedebista, senador pelo Maranhão; da parte da UTC, Ricardo Pessoa acrescenta que também no âmbito do Tribunal de Contas da União correram gratificações de modo a que se aprovasse Angra 3.

Novas frentes de investigação se descerram, portanto, num universo cujas fronteiras ninguém se arrisca a delimitar.

Não são tantas, é verdade, as empreiteiras com o porte necessário para atividades desse nível. Mas se multiplicam os políticos que, dentro do PMDB, do PT e de outros partidos, ocupam a outra ponta do esquema –e as ações da Justiça a esse respeito seguem ritmo bem mais lento. É tempo de vê-los diante das autoridades a se explicar sobre seus atos.