Em entrevista a VEJA, o novo presidente da Câmara afirma: “O PT escolheu trabalhar deliberadamente pelo esfacelamento do PMDB” (Foto: Reinaldo Ferrigno/Agência Câmara)
A BASE DE APOIO CONFLAGRADA
O novo presidente da Câmara diz que as relações do PMDB com o PT e o governo não são nada boas e alerta sobre a necessidade de uma reaproximação. Caso contrário…
Entrevista a Daniel Pereira publicada em edição impressa de VEJA
O deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, foi eleito, no domingo, dia 1º, presidente da Câmara dos Deputados, na qual cumpre o quarto mandato. A única surpresa foi não ter chegado lá antes. As malhas de suas alianças foram tecidas longe dos olhos do mundo exterior, onde é uma figura desenvolta e temida, sobre quem se falam, em segredo, cobras e lagartos.
Economista, tem como característica, reconhecida por aliados e adversários, a capacidade inigualável de ler, entender e usar a seu favor os detalhes arcanos, mas decisivos, dos regimentos, leis, portarias e outros documentos que norteiam a vida pública brasileira. Formalmente é aliado, mas vai dar muito trabalho a Dilma Rousseff.
Que avaliação o senhor faz da participação do governo na eleição para presidente da Câmara?
Houve uma tentativa de interferência na disputa pela presidência da Casa. A manobra foi capitaneada por Pepe Vargas, ministro de Relações Institucionais, o representante do Executivo no Congresso Nacional. Não sei se ele atuou com ou sem o conhecimento da presidente da República.
A tentativa de cooptar parlamentares foi ampla. Houve ameaça de demissão de aliados nos estados, promessa de cargos e de liberação de emendas para os novos deputados e pressão sobre ministros para que exigissem de seus partidos a adesão à candidatura do PT.
É do jogo político você expressar a sua opinião, mas a pressão do jeito que foi feita,de maneira grosseira e ameaçadora, deixará sequelas não só em mim, mas nos parlamentares e nos partidos que sofreram coação.
Que tipos de sequela?
Como pode o governo começar um novo mandato com pressões e ameaças contra a própria base aliada, ainda mais quando se sabe da necessidade de o Executivo ter no Congresso uma base sólida e unida para aprovar medidas econômicas consideradas impopulares? Como pode um ministro usar o nome da presidente para coagir outros ministros, parlamentares e partidos e depois se sentar à mesa para negociar? Eles dificultaram a própria vida.
Não achem que o Parlamento se curvará à pressão. Ou se muda esse método, ou se mudam as pessoas que adotam esse método. O ministro Pepe Vargas se inviabilizou como interlocutor com o Congresso. Ele chegou ao absurdo de comparar a disputa a um jogo de futebol, dizendo que dá carrinho, puxa a camisa, derruba, mas, depois, vai tomar cerveja com todo mundo. Isso não é declaração de quem quer estabelecer uma relação produtiva com o Congresso. Isso é conversa de botequim.
Esse episódio interfere na relação da Câmara com a presidente?
Tudo dependerá de como será o dia seguinte. Como presidente da Câmara, atuarei em linha com a minha campanha. O que preguei será cumprido no exercício do mandato, porque senão estarei cometendo estelionato eleitoral. Quem me elegeu não quer me ver na oposição, tampouco espera que eu seja submisso ao governo. Espera de mim independência e harmonia.
Da parte do PMDB, haverá sequelas. O ministro Pepe Vargas tentou impor o PT em detrimento de outros partidos da base. Isso quebrou a relação de confiança. Se não houver uma recomposição, eles colherão os frutos da conversa de botequim que tiveram.
A aliança do PMDB com o PT caminha para o fim?
Não quero misturar a posição de presidente da Câmara com a de líder partidário, que também sou, mas o PMDB identificou claramente as digitais do governo numa tentativa de desestabilizar o partido. O governo patrocina a criação de outros partidos, e já há uma tentativa de cooptação de parlamentares peemedebistas.
O PT escolheu trabalhar deliberadamente pelo esfacelamento do PMDB. O PMDB não tem dúvida disso, e o resultado é uma união interna como nunca vista antes. Vamos enfrentar essa disputa.
O PMDB terá candidato à Presidência em 2018?
A candidatura pode ser consequência desse processo. Time que não joga não tem torcida, e o PMDB está há muito tempo sem jogar. Mas não dá para discutir isso no primeiro dia de um novo mandato presidencial. É muito difícil prever o que acontecerá.