terça-feira, 3 de julho de 2018

"Adiós, Sochi", por Fernando Gabeira


Em Sochi, os pombos entram pela varanda, sobem nas camas e comem o que encontrarem - Fernando Gabeira

De malas prontas para voltar a Moscou, depois do jogo. Foi uma boa temporada em Sochi. Sol e mar lembraram-me do Brasil. Quase todas as noites tive longos sonhos passados na terra. A própria seleção não voltará mais aqui. As esperanças convergem para Moscou, onde se joga a partida final da Copa.

Sochi é um lugar de descanso, embora os repórteres tenham trabalhado duro. Eles têm um tempo cronometrado para cobrir os treinos. Sei como é isso, pois cobri um treino do Egito em Grozny, e os seguranças não me deram um segundo de tolerância.

Os seguranças da Chechênia metem medo. Ao mesmo tempo, são figuras estranhas. Um deles mostrou-me um filhote de pássaro que caiu do ninho na própria Arena Akhmad Kadyrof. Como não podia mais fotografar Salah, fotografei o filhote.

Pombos e aves marinhas há em grande quantidade por aqui. Através da varanda, os pombos entram e saem do meu quarto com a maior facilidade. Só me espanto quando sobem na cama. Um vizinho da Rádio Gaúcha deixou a porta da varanda aberta e comida dentro do quarto. Foi uma invasão que parecia filme do Hitchcock.

Foi tanta correria antes da vinda que não pude estudar os pássaros da Rússia. Ontem, na praça, ouvi longamente o canto de um que me parecia próximo do sabiá, mas não era precisamente. Se Tom Jobim fosse vivo, mandaria uma gravação com pedido de ajuda.

Nas vésperas de jogo, durmo mal. Não tanto por mim, mas pela repercussão de uma derrota no Brasil. Meu neto de dois anos não tira a camisa amarela. Talvez para criança nessa idade seja fácil dizer que acabou e passar logo para outra diversão. Mas as outras, as torcedoras mesmo, essas ficam muito tristes.

Pessoalmente estou tão acostumado a derrotas que me comporto como o time do Panamá: qualquer golzinho me alegra.

Cruzei com os uruguaios no elevador. Já estão de malas prontas para Níjni Novgorod. Com o adeus dos argentinos, ficamos apenas nós e os colombianos na parada. As viagens de elevador sempre terminam com um voto de fidelidade sul-americana. Um de nós precisa ganhar. Se nos enfrentarmos na final, bueno hermano, podemos brigar à vontade.

Assim como os gaúchos meus vizinhos, eles costumam andar com a cuia de chimarrão. 

Viajam milhares de quilômetros por amor à celeste. Na infância, havia uma bela Celeste. Mas isso é outra história.

O problema agora é fazer a mala para Moscou e começar uma nova etapa. Dali, segundo o roteiro, parto apenas para o Brasil, e só depois da final da Copa.

Começou uma nova etapa do mata-mata. Estamos vivos e bem, apesar das pancadas dos mexicanos. O consolo para eles é que estão vivendo um novo momento histórico. As promessas são de justiça social e combate à corrupção. Conheço esse filme. Não creio que necessariamente terá o mesmo resultado que o nosso.

O único ponto da viagem que não cumpri foi visitar a Abecásia. A fronteira é próxima, mas é preciso esperar uma semana pelo visto de entrada. Numa próxima vez, se houver próxima. De novo na estrada. Acabou a vida mansa, agora é o mata-mata do metrô de Moscou e os tenebrosos prédios neoclássicos do stalinismo.


O Globo