sexta-feira, 6 de abril de 2018

"A economia colou na política", por José Paulo Kupfer

O Globo


Quando, no primeiro semestre de 2017, a atividade econômica, no Brasil, começou a sair do fundo do poço alcançado em dezembro de 2016, animadores de auditório desenvolveram uma tese ligeira segundo a qual a economia estava se descolando da política. O grupo — que reunia, numa espécie de base aliada econômica do governo, especialistas do mercado financeiro, das consultorias de economia e da academia — alimentava a suposição de que, mesmo com todas as incertezas políticas, potencializadas pelas denúncias de corrupção então envolvendo o presidente Michel Temer e seu entorno, as reformas liberalizantes em curso empurrariam a trajetória econômica gráfico acima.
O argumento do descolamento não era muito elaborado e apenas confrontava o espesso nevoeiro do ambiente político com indicadores de confiança na retomada dos negócios. 

Repercussões negativas da Lava-Jato no cotidiano político — acrescidas das pesquisas de opinião que, de um lado, mantinham no chão a avaliação do governo e, de outro, mostravam a liderança de Lula na corrida eleitoral de 2018 — eram contrapostas pela exuberância dos índices na Bolsa de Valores e pelo fluxo abundante de recursos externos — refletidos no despencar de indicadores do grau de risco de investir em uma economia, entre os quais o mais conhecido é o CDS (sigal em inglês dos papéis denominados “credit default swap”).

Com o avanço do calendário eleitoral, o arrefecimento do ímpeto reformista do governo e a consolidação do ritmo lento de recuperação econômica, a tese do descolamento da economia evaporou sem alarde. Ao mesmo tempo, o cálculo eleitoral foi ficando mais imprevisível. Não bastasse a resiliência do ex-presidente Lula na liderança das pesquisas para a Presidência, apesar das agora provavelmente fatais vicissitudes jurídico-penais da sua candidatura, o quadro é de fragmentação, com um sem-número de candidaturas e o congestionamento dos espaços mais ao centro do espectro político.

Isso está produzindo uma curiosa alteração no sentido de direção da equação que relaciona política e economia. Se antes a economia pretensamente descolara da política, agora a economia colou na política. É o que se pode depreender, por exemplo, da insistência de comentaristas que ocupam espaços na discussão pública da economia em privilegiar a análise da dança política em detrimento da costumeira avaliação de questões econômicas específicas.

Tal mudança de enfoque não é desprovida de sentido. Desde o anúncio da intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, a economia deixou de ser o lugar central das preocupações do governo. Exceto na campo monetário, no qual o ativismo do Banco Central permanece aceso, garantindo algum fôlego adicional à lenta recuperação, o resto do governo arruma as malas rumo à disputa eleitoral. Não é só a minirreforma ministerial — em que ministros candidatos demissionários estão sendo substituídos por soluções caseiras sob medida para contar o tempo até o encerramento do mandato — que ajuda a expor esse abandono. O próprio Temer e Henrique Meirelles, o chefe do dream team da Fazenda, ainda que titubeantes, deixam a economia de lado e se lançam na aventura eleitoral.

A economia tem dado sinais recorrentes de que deixou o pior definitivamente para trás, mas ainda não encontrou o caminho para crescer sem recuos e superar na velocidade desejável as perdas impostas pela poderosa recessão que a abateu entre 2014 e 2016. A sensação do público é de que a melhora dos indicadores não chegou à casa das pessoas e, se isso pode surpreender alguns, é explicável quando se sabe que a recuperação acumulada em 2017 e 2018, considerando a projeção otimista de um avanço de 3% neste ano, soma apenas metade das perdas anteriores.

Diferentemente de outras eleições, esse cenário é uma indicação possível de que o estado atual da economia não facilita tê-la como carro-chefe da campanha eleitoral. Sobrou para 2019. E aí a política continua dando as cartas sobre a economia, com os mercados de ativos respondendo positivamente aos avanços dos candidatos “reformistas" e negativamente à ascensão de “populistas”.

José Paulo Kupfer é jornalista