sexta-feira, 18 de novembro de 2016

"O tempo urge", por Eduardo Zilberman

O Globo

Horizonte relevante para o mandato tampão de Temer talvez não seja fins de 2018, mas fins de 2017 ou início de 2018, uma janela de oportunidade de cerca de 12 meses

As reformas econômicas estão apenas em sua fase embrionária. A destruição herdada no campo econômico é tamanha que será preciso muitos anos, quiçá uma década ou mais, para reorganizar a economia brasileira. É de suma importância, portanto, que a agenda ora em curso catalise uma coalizão política responsável que saia vencedora no próximo pleito presidencial, daqui a pouco menos de dois anos, em outubro de 2018. O risco maior de descontinuidade prematura e deletéria desta agenda origina-se justamente nesta incompatibilidade de horizontes.

Este risco de descontinuidade prematura será amplificado em um cenário no qual os efeitos da incerteza eleitoral na economia comecem a se manifestar muito cedo. Esta representaria um baque na confiança. Sob alta incerteza, as decisões econômicas são postergadas à espera de um período menos incerto. A vasta evidência empírica sobre o tema sugere a desaceleração de uma eventual retomada da atividade econômica. Além disso, a incerteza geraria um excesso de volatilidade nos preços dos ativos, inclusive o câmbio, o que poderia minar o processo desinflacionário vigente.

A experiência com as eleições presidenciais passadas não deixa dúvidas. Em 2014, a incerteza eleitoral começou a gerar excesso de volatilidade nos mercados de ações e câmbio já no primeiro trimestre, oito a nove meses antes das eleições, quando se começou a questionar o favoritismo da presidente Dilma. Já em 2002, quando a incerteza eleitoral emanava da agenda econômica que seria adotada pelo presidente Lula, candidato favorito à época, o câmbio começou a desvalorizar e a Bolsa de Valores a cair em abril daquele ano. Se, desde cedo, portanto, as condições econômicas e políticas não estiverem postas para que se eleja alguém que dê continuidade à agenda de reformas, a incerteza eleitoral cobrará seu preço bem antes das eleições.

E aqui a economia brasileira pode entrar em um círculo vicioso. Em um livro recente, “Democracy for Realists”, os cientistas políticos Christopher Achen (Princeton University) e Larry Bartels (Vanderbilt University) argumentam que, dentre todo tipo de coisas que influem na decisão do eleitor, o crescimento real (ajustado pela inflação) da renda disponível até seis meses antes da eleição é, de longe, uma das mais relevantes. Se esta evidência puder ser extrapolada para a eleição presidencial de 2018, tendo em vista que uma eventual recuperação econômica se refletirá no mercado de trabalho com alguma defasagem, quanto mais demorar ou gradual for a retomada da atividade econômica, mais intensa será a incerteza eleitoral o que, por sua vez, retardará ainda mais uma eventual retomada do crescimento.

Obviamente, a eleição presidencial de 2018 pode se configurar numa eleição prospectiva. Se bem comunicado, a perspectiva de rumo e melhora na economia pode minorar a importância eleitoral das condições econômicas passadas.

Soma-se às condições econômicas a necessidade de se formar uma coalizão estável em torno de algum nome viável para 2018, que represente e vocalize o compromisso com a agenda ora em curso. Desnecessário dizer que esta tarefa é bastante complexa num cenário de alta fragmentação política, em que os desdobramentos imprevisíveis da operação Lava-Jato podem minar subitamente qualquer esforço de coalizão política.

Conclui-se que o horizonte relevante para o mandato tampão do presidente Temer talvez não seja fins de 2018, mas fins de 2017 ou início de 2018, uma janela de oportunidade de aproximadamente 12 meses. Até lá, se as condições econômicas e políticas não contribuírem para um delineamento mais nítido do cenário eleitoral, as implicações econômicas da incerteza eleitoral comprometeriam tanto a tarefa hercúlea do Ministério da Fazenda em restaurar o equilíbrio fiscal, quanto a do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos em potencializar o retorno das concessões, assim como a do Banco Central em trazer a inflação para a meta.

Eduardo Zilberman é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio