terça-feira, 24 de março de 2015

"A segunda morte do cinegrafista da Band"

Com Blog Ricardo Setti - Veja




(Foto: Agência O Globo)
A primeira morte: Santiago Andrade estava trabalhando, sem chance de defesa, quando foi atingido pelo rojão de Fábio Raposo e Caio Silva de Souza(Foto: Agência O Globo)

A SEGUNDA MORTE DE SANTIAGO ANDRADE — CINEGRAFISTA DA TV BANDEIRANTES

Post do leitor e amigo do blog Reynaldo-BH

Post do LeitorDiz um dos axiomas do direito que o desconhecimento da lei não exime o culpado do crime cometido.
As penas existem para retribuir o mal causado, reeducar o condenado e como exemplo para o corpo social, razão maior da existência do Direito.
O maior valor que o ser humano tem é o da vida. Deste modo, este é o valor maior a ser preservado em qualquer cultura, nação ou código. Em todo o mundo e em todos os tempos.
O Código Penal do Brasil é de uma clareza ímpar ao definir o tipo penal do homicídio, ou seja, do ato de outrem em acabar com a vida de terceiro. Diz de modo direto no artigo 121 do Código: “MATAR ALGUÉM”. E define igualmente as variáveis deste ato, baseada na motivação do ato de matar.
Os crimes culposos são decorrentes de três procedimentos: imperícia, imprudência ou negligência.
O ato praticado cujo resultado é a morte é tão rejeitado socialmente pelo valor atingido que a legislação – e a doutrina – em todo o mundo tem o cuidado de diminuir a punição quando causados por motivos que não o desejo do resultado morte. Mesmo assim protege a vida, imputando como crime quem incorre nestes tipos penais e na qualificação menos intensa da dosimetria penal.
E há o dolo. Quando o resultado é desejado pelo autor. O assassinoquer o resultado morte. Trabalha para isto. Busca a execução de outro semelhante.
Há um abismo de diferenças entre, por exemplo, um médico ou engenheiro que por imperícia ou negligência acaba por provocar a morte de inocentes e o assassino que atira e mata um desafeto, ou mesmo um desconhecido. Há que se ter punição. Mas levando-se em conta as motivações, das quais decorre o tipo de punição.
Ainda assim, há um espaço intenso entre o ato no qual não se desejava a morte e aquele outro, que buscava o resultado. Algo além do não desejar e do querer. O ato que assume como possível – e até previsível – o resultado. E que, deste modo, ao ser praticado – mesmo não sendo desejado –, sabe-se que o resultado final (morte) tem grande probabilidade de ocorrer.
É o caso, por exemplo, de um motorista que anda a 140 quilômetros por hora em um uma via cuja velocidade máxima é de 60 quilômetros por hora. Isso constitui, segundo o Código Penal, imprudência. Ao ter esse comportamento, o motorista assume o risco de matar. Dá-se a isto o nome de preterdolo. A conduta inicial foi dolosa. O resultado, culposo. Não se quis matar, mas assumiu, desde o momento inicial da ação, o resultado.
O cinegrafista Santiago Andrade estava trabalhando. Com uma câmera em mãos, o que o impedia de qualquer defesa. E o inesperado que se assemelha a uma emboscada.
Fábio Raposo e Caio Silva de Souza eram manifestantes. Black blocs. Mascarados. Armados com rojões. Não os atiraram para o alto, como qualquer ser humano faria, para comemorar ou protestar. Soltaram o artefato em direção à multidão que se manifestava, tentando atingir policiais. Santiago estava à frente. Recebeu o impacto na cabeça. Morreu.
A ninguém é dado o direito de desconhecer as leis como argumento de defesa. Do mesmo modo, é mandatório que julgadores conheçam estas mesmas leis para aplicá-las.
Fábio e Caio foram libertados pela Justiça da prisão provisória que lhes foi imposta, de acordo com as leis do país.
Estão livres. Foram considerados como autores de um homicídio culposo. Mas onde está a imperícia? Onde ficou a negligência? Por acaso, eles foram imprudentes? Não. Foram muito mais: assumiram o resultado morte quando lançaram o rojão.
Esta foi a segunda morte de Santiago Andrade. Certamente sentida intensamente pela família, colegas e amigos. E por todos nós.
A segunda morte de Santiago tem mais um cadáver: o da nossa FÉ no primado da Justiça e do Estado de Direito.
Que esta seja a última morte deste jornalista que exercia seu trabalho. O segundo — e último — assassinato. Que não venham outros.