domingo, 6 de março de 2016

"Efeito Lava-Jato" (Obama chegou a dizer que o corrupto Lula "é o político mais popular do mundo!"

Adriana Carranca - O Globo




Em abril de 2009, durante encontro do G-20, as câmeras da rede de TV britânica BBC capturaram uma conversa informal do presidente dos EUA, Barack Obama, com colegas:


“Esse é o cara! Eu adoro esse cara! É o político mais popular do mundo!”, ele disse ao então secretário do Tesouro, Timothy Geithner, e ao premier da Austrália, Kevin Rudd. Esse cara era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula foi recebido no encontro como celebridade. Na foto oficial da visita ao Palácio de Buckingham, aparece sentado à esquerda da rainha Elizabeth II, lugar reservado ao mais importante entre os convivas. Meses depois, em novembro daquele ano, a Economist publicava em sua capa a imagem do Cristo Redentor como um foguete em decolagem. O Brasil fecharia o ano com um crescimento de 5% e a promessa de aceleramento econômico impulsionado, principalmente, pela Petrobras e a expectativa sobre a entrada em operação dos “grandes campos de petróleo de águas profundas”, escreveu a revista, referindo-se ao pré-sal. “Quando se trata de políticas sociais inteligentes e de impulsionar o consumo doméstico, o mundo em desenvolvimento tem muito mais a aprender com o Brasil do que com a China. Em resumo, o Brasil de repente parece ter entrado no palco mundial. 

Sua chegada foi marcada simbolicamente pela vitória do Rio para sediar os Jogos Olímpicos 2016.”

Bem, aqui estamos.

Terminamos 2015 com retração de 3,8% do PIB em relação ao ano anterior, o segundo pior desempenho entre os países da América Latina, ficando atrás apenas da Venezuela, resultado da “deterioração dos indicadores de inflação, juros, crédito, emprego e renda ao longo de todo o ano”, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A presidente Dilma Rousseff enfrenta processo de impeachment no Tribunal Superior Eleitoral e pode cair com o vice Michel Temer. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são alvos da Lava-Jato. Aliados políticos e donos das empreiteiras que mais faturaram em contratos públicos, como OAS e Odebrecht, estão presos. A notícia da operação da Polícia Federal à casa do ex-presidente, levado a depor acusado de envolvimento no esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, correu o mundo.

A instabilidade política e a crise financeira derrubaram a credibilidade do governo, e o Brasil passou a ser visto como um ambiente inseguro para investimentos externos, especialmente depois do rebaixamento do crédito pelas três principais agências de classificação de risco, Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s — o que, por sua vez, agrava mais a economia, diminui seu poder de negociação em acordos comerciais e sua influência política global. É uma espiral em declínio.

O efeito reverso também se aplica. Uma política externa robusta poderia proteger, ou ao menos amenizar, o impacto devastador da crise interna sobre a credibilidade do país no cenário internacional. Mas nunca foi prioridade para Dilma. No governo Lula, o Brasil assumiu liderança na criação e consolidação de Mercosul, Brics, G-20; negociou junto com a Turquia um acordo nuclear com o Irã (embora ignorado pelos EUA, é considerado um marco da diplomacia), assumiu missões de paz, ampliou presença diplomática e relações comerciais, especialmente com África e mundo árabe; reabriu o debate por reforma no Conselho de Segurança da ONU.

Com Dilma, o Itamaraty perdeu relevância, assumiu papel apenas protocolar na mesa de negociações, aumentou a dívida com organizações internacionais. Com isso, perdeu o direito a voto em fóruns como o Tribunal Penal Internacional e a Agência Internacional de Energia Atômica, sofreu derrotas em eleições a cargos, deixou o comando de missões de paz.

Dívidas com organismos internacionais não são novidade — o governo Lula herdou dívida de US$ 200 milhões à ONU, em 2003. Hoje o Brasil deve algo como US$ 258 milhões.

A corrupção também não foi inventada agora, nem a forma de atuar das empreiteiras. A Lava-Jato descortinou o modelo brasileiro de fazer negócios, como definiu o Ministério Público Federal. O esquema de delação premiada, inspirado na experiência italiana contra a máfia, é um caminho sem volta em que um cartel levará a outro. A crise se aprofundará. Mas a transparência é a única saída para recobrar a credibilidade do Brasil e tirar o país do lodaçal em que se enfiou.