Conservadores não procuram deter reformas ou impedir transformações, mas dar-lhes um tom moderado e tranquilo
Um dos elementos que difere o conservadorismo de outras posições políticas é a motivação para construir em vez de destruir, para preservar as coisas positivas que sobreviveram aos testes do tempo e reformar ou descartar elementos negativos que também resistiram historicamente.
Não é tarefa fácil. De tempos em tempos, a ameaça ressurge pela ação de indivíduos que, de dentro e de fora da política formal, desejam alterar profundamente a sociedade a partir da eliminação de tradições, costumes, hábitos, leis que são instrumentos positivos de manutenção do tecido social e do equilíbrio entre visões distintas. A partir de desejos individuais e premissas políticas, pretendem refundar a sociedade e obrigar todos a se submeterem aos projetos revolucionários de ocasião.
Esses projetos são justificados de várias maneiras e disfarçados com o uso de expressões como igualdade, justiça social, direitos das minorias, antifascismo et cetera, que sugerem algo muito diferente do que realmente são. Um dos instrumentos mais importantes dessa estratégia é justamente o uso da linguagem para ocultar as reais motivações e objetivos.
Dessa maneira, sem parecerem radicais ou autoritários, grupos variados conquistam a simpatia de professores, intelectuais, jornalistas, políticos, empresários até não haver mais resistências por parte daqueles que têm poder para influenciar, pavimentar e executar mudanças econômicas e políticas.
Os que denunciam e resistem a esses avanços são achincalhados, pressionados, perseguidos, prejudicados profissionalmente; aqueles que não entendem muito bem o que está acontecendo passam a achar que estão errados ou ficam com medo de reagir.
Se permitirmos que grupos ideológicos assumam o protagonismo da vida social, a norma será a revolução
Esses grupos também produzem consequências negativas e impedem a busca por soluções adequadas quando se arvoram em donos de certas agendas, como combate à pobreza, ajuda aos necessitados, meio ambiente, proteção de indivíduos que sofrem todo tipo de violência. São tão eficazes nessa artimanha que provocam reações destemperadas de quem está do outro lado do espectro político. Já li absurdos como “meio ambiente é coisa de esquerdista”.
Se permitirmos que, de tempos em tempos, grupos ideológicos assumam o protagonismo da vida social, política e econômica e tentem destruir aquilo que temos de positivo e virtuoso, a norma será a revolução, a mudança pela mudança, sem nenhum tipo de ordem que permita que as pessoas vivam sua vida sem uma ameaça constante de interrupção ou destruição daquilo que construíram e preservaram.
É impossível estabelecer qualquer vínculo social num ambiente em constante transformação e ruptura. É impossível, portanto, considerá-lo como um lar, trabalhar para melhorá-lo, criar um sentido de pertencimento e de comunidade, estabelecer relações de confiança com as outras pessoas. A regra, numa situação como essa, é a desconfiança e a destruição do tecido social.
Como alertou o filósofo e teórico político irlandês Edmund Burke (1729-1797) sobre a revolução francesa e que vale para todo projeto revolucionário (violento ou “democrático”), seu resultado é arrancar “toda a roupagem decente da vida” e desacreditar as ideias “fornecidas pelo guarda-roupa da imaginação moral” como sendo “uma moda ridícula, absurda e antiquada”.
As políticas revolucionárias, segundo Burke, “temperam e endurecem o coração com vista a prepará-lo para os golpes desesperados que são por vezes utilizados em situações extremas” (Reflexões sobre a Revolução em França, Calouste Gulbenkian, 2015, trad. Ivone Moreira, pp. 122 e 136).
Conservadores buscam não se submeter a posições autoritárias nem reproduzir ações destrutivas dos adversários
Desde os eventos históricos na França, várias foram as sociedades que se deixaram seduzir ou que sucumbiram diante de projetos revolucionários. No Brasil, o golpe militar republicano que derrubou a Monarquia em 1889 foi o seu equivalente em termos de natureza política pelo projeto de destruição do passado e pelas transformações profundas que provocou na política e na sociedade.
Não foi coincidência terem sido chamados de jacobinos os republicanos radicais que ajudaram a derrubar o Império e os apoiadores de Floriano Peixoto, o militar autoritário que foi o segundo presidente do país ao suceder ao marechal Deodoro da Fonseca.
É por saber qual o resultado da revolução que o conservador rejeita rupturas sociais e políticas que pretendem começar a história do zero, apagar tudo aquilo de positivo que foi construído, modificar a natureza humana por meio da política, moldar o ser humano com base num projeto de poder.
Contra tal projeto, o historiador João Camilo de Oliveira Torres descreveu a posição autenticamente conservadora como “integralmente histórica, contrastando com as posições anti-históricas do imobilismo (que nega a transição e o progresso), do reacionarismo (que pretende negar o tempo e a irreversibilidade da História) e do revolucionarismo, que postula um futuro construído no vazio”.
O conservadorismo “não procura deter as reformas ou impedir as transformações, mas dar-lhes um tom moderado e tranquilo, acomodá-las às condições gerais da sociedade, naturalizá-las, em suma” (O Elogio do Conservadorismo, Editora Arcada, 2016, pp. 54-55).
Sem se submeterem a posições autoritárias nem caírem no erro de reproduzir as ações destrutivas dos adversários (incluindo os da direita), os conservadores buscam sempre o ponto de equilíbrio contra os radicalismos que tentam relativizar a verdade, minar a autoridade, perverter a justiça, corromper a virtude, aniquilar a prudência, destruir a liberdade.
Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).
Revista Oeste