O ex-presidente presidiário continua fingindo ignorar o que aconteceu na zona do PT
Nos anos 60, sobretudo nas pequenas cidades, não era fácil atender ao clamor dos hormônios que acossavam o corpo, a imaginação e a alma de quem chegava à adolescência.
Antes da revolução dos costumes desencadeada no fim daquela década, a virgindade devia ser preservada até o casamento, e portanto a esfregação dos namorados nunca ia muito longe.
Letreiro em vermelho neon na fachada de um motel só aparecia em estradas de filme norte-americano e drive-in só existia num punhado de capitais.
O jeito era abrandar a inquietude com pecados solitários e torcer pela aparição dos primeiros fiapos de barba.
A penugem inaugural avisava que chegara a hora de arrumar dinheiro com o irmão mais velho, escalar como acompanhante um amigo que já conhecesse o lugar e caprichar na pose de quase adulto no momento de cruzar a porta de entrada da zona do meretrício.
Vencido o último obstáculo, convinha rezar para não fazer feio na estreia. As testemunhas oculares do fiasco nunca primaram pela discrição.
Toda cidade com mais de 10 mil habitantes tinha uma zona — um punhado de três ou quatro casas plantadas à beira de uma estradinha de terra que cortava aquele território impreciso onde a área urbana acabava sem que tivesse começado o mundo rural.
Na região em que nasci, a casa principal tinha o nome da dona.
O elenco de atendentes sofria oscilações, mas invariavelmente incluía dois destaques que garantiam um conjunto de respeito. Mudavam o mobiliário e o tamanho da sala de espera, mudavam a metragem e a quantidade dos quartos.
Algumas casas possuíam a varanda lateral, outras dispunham de um quintal para churrascos. Nada disso importava muito. O que não podia faltar de jeito nenhum eram uma cama de casal em cada quarto e, pendurado numa das paredes da sala, o quadro que mostrava São Jorge matando o dragão.
Fosse qual fosse a casa, eram o mesmíssimo São Jorge, o mesmíssimo dragão, as mesmíssimas imagens.
Não havia uma única e escassa diferença entre um quadro e os outros.
A zona era uma zona, mas São Jorge parecia nada ver, nada ouvir e nada estranhar
Aquele duelo tremendo poderia fazer bonito em museus pouco exigentes. As vestes multicoloridas e o corcel branco com as patas empinadas rimam com o capacete do santo guerreiro. A extremidade da lança já parcialmente enterrada no lombo do dragão é empunhada pela mão direita.
A esquerda segura as rédeas e, simultaneamente, envolve com os dedos a haste para empurrar a lâmina que perfura a couraça da fera.
É o espetáculo da coragem temerária, que contrasta com a expressão beatífica do herói. Sim, todo santo de retrato parece sereno, mas nenhum deles se mete com monstros que soltam fogo pelas ventas.
Só um São Jorge de bordel conseguiria arrostar tais perigos com aquela placidez inabalável. Inteiramente absorvido pelo embate mortal, o exterminador de dragões nunca prestava a menor atenção ao que acontecia fora do retrato.
Na sala da zona, a farra corria solta sobretudo nos fins de semana.
Duplas de desconhecidos negociavam o acordo que os levaria a um dos quartos, dos quais não paravam de chegar sons proibidos para menores de idade.
Um adolescente imberbe era expulso aos berros por ter esquecido que em nenhuma casa da zona estudantes pagavam meia. A zona era uma zona, mas São Jorge parecia nada ver, nada ouvir e nada estranhar.
Demorei a compreender que o santo estava lá não para garantir a moral e os bons costumes, muito menos para transformar zona em convento, mas para matar um dragão, e quem peleja com um bicho daqueles não tem tempo a perder com batalhas de alcova ou guerras extraconjugais.
E então entendi por que era chamado de “São Jorge de bordel” todo homem da cidade que mantinha a cara de paisagem enquanto prosseguia, a um palmo do nariz, o cortejo de iniquidades, bandalheiras, delinquências e safadezas domésticas. O filho abandonara os estudos, não tinha emprego fixo e voltava da rua cada vez com mais dinheiro.
A filha se apaixonara pelo cafajeste do bairro e dizia que estava estudando na casa de uma amiga quando chegava às 6 da manhã. A mulher vivia arrastando vizinhos para conhecer o quintal, o irmão furtava o cofrinho do sobrinho, o cunhado roubava a pensão da avó.
E a tudo o chefe da família seguia indiferente. Concentrado na luta para pagar as contas da casa, ele não tinha tempo nem paciência para outras incumbências. Como um São Jorge de bordel.
Numa zona de antigamente, a figura do quadro está na parede na sala para pedir desculpas à turma do bordel
Como um São Jorge de bordel agiu Luiz Inácio Lula da Silva desde sempre. O ex-líder sindicalista que começava a carreira política morou oito anos num apartamento pertencente ao advogado Roberto Teixeira.
Concentrado na fundação do PT, nem perguntou quanto custava o aluguel nem se devia pagar a taxa do condomínio.
Candidato profissional à Presidência da República, não tinha tempo para saber de onde vinha o dinheiro para as campanhas.
Empenhado em acabar com a pobreza, nem notou que o filho trocara o ofício de tratador do zoológico de São Paulo pelo vidaço de empresário do ramo de informática. Só depois da entrada em cena da Lava Jato ficou claro que Lula sempre soube de tudo o que ocorria na zona do PT.
Fingiu ignorar a catarata de bandalheiras porque delas foi, sucessivamente, beneficiário, sócio majoritário e mentor antes de assumir a chefia do maior esquema corrupto da história do Brasil.
Lula já se comparou a Tiradentes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Nelson Mandela e Jesus Cristo. A devassa das catacumbas do Petrolão provou que Lula é apenas uma versão degenerada do São Jorge de bordel.
Numa zona de antigamente, a figura do quadro está na parede na sala para pedir desculpas à turma do bordel. Num Brasil imbecilizado pela ascensão dos idiotas, o São Jorge que só luta a favor da bandidagem pretende baixar no Supremo Tribunal Federal para avisar que anular os processos que o instalaram na cadeia é pouco.
Ele também quer a prisão dos procuradores engajados na Lava Jato e a condenação de Sergio Moro ao degredo perpétuo.
Se for atendido, os superjuízes amigos serão convidados para a festa da vitória na zona de São Bernardo.
Revista Oeste