Deputado Paulo Ganime avalia que novo grupo político bolsonarista influenciará na sucessão de Rodrigo Maia e que Congresso retomará a agenda econômica em breve
O engenheiro Paulo Ganime — eleito deputado federal com 52 mil votos no Rio de Janeiro — chegou à Câmara desconfiado. Uma das apostas do partido Novo que deram certo nas urnas, ele hoje lidera a bancada de Marcel van Hattem (RS) e Vinicius Poit (SP). Nos últimos meses, foi o governo Jair Bolsonaro quem desconfiou do Novo. “Não importa se vamos votar com o governo ou com a esquerda, votamos no que é correto, defendemos a mesma ideia desde o início. Há até alguma previsibilidade em relação ao Novo porque sabem que não adianta falar com a gente para mudarmos de opinião. Temos um projeto, temos uma ideia”, diz. Ganime defende a retomada da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Acompanhe a entrevista a Oeste.
Qual a agenda prioritária do Congresso Nacional pós-pandemia?
A agenda pós-pandemia tem que ser a das reformas. A reforma da Previdência foi aprovada, há expectativa sobre uma reforma administrativa que não chega, e também a tributária, que é urgente e deve ser robusta — uma reforma que atinja PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI. Ou seja, não só o texto que o ministro Paulo Guedes enviou, que é restrito. Espero também avanços no Marco Legal do Gás Natural. Misturando o pós-pandemia com temas que já estavam sendo analisados, penso no Brasil do futuro. Por exemplo: vamos aprovar a reforma tributária no mês que vem?
Mas há clima político para votá-la em meio à pandemia?
Acho que sim. Conversei com o Aguinaldo [Ribeiro, deputado relator da proposta] e ele acha que dá para votar em setembro na Câmara. Minha preocupação não é só a reforma, porque até a esquerda entende que precisamos dela, mas as questões setoriais: sermos acusados de beneficiar bancos porque isso gera debate ideológico. Há uma tentativa de incluir tributos, e o perigo é justamente esse jabuti: taxação de grandes fortunas, um perigo para o Brasil. Tributação de lucros e dividendos, eu até concordo se vier acompanhada da redução do Imposto de Renda para pessoas jurídicas. Isso acho que o mercado topa.
Sobre a relação do Executivo com Rodrigo Maia, é verdade que os ânimos arrefeceram?
Sim, acho que o gesto veio do presidente. Não acho que o Rodrigo Maia seja o vilão que a maioria pinta. Claro que posso ter críticas, mas na agenda legislativa, na pauta, ele apoia as agendas positivas, as pautas econômicas importantes para o país — algumas são populistas, é verdade, não gosto tanto. O Rodrigo Maia tem origem liberal, mas hoje é um liberal pragmático. Ele cede, mas conduz bem as pautas a favor do país. Vários deputados ainda têm a visão de que deputados têm que se proteger. Falo dos mais tradicionais. Sinto que tentam blindar o Legislativo, e eu acho isso ruim. Meu princípio é inverso: extirpar os maus políticos é blindar o Legislativo.
O senhor se decepcionou com algo quando chegou à Câmara?
Entrei com receio de manchar meu nome e só entrei por causa do Novo. O Novo é de certa forma apolítico. Tem coisas piores e melhores do que imaginava na Câmara. Descobri que tem gente séria ali, com boas intenções. Imaginava um espaço mais hostil, até pela chegada do Novo ao Parlamento. Esperava um meio mais perverso. Cheguei lá e tinha até medo dos assessores, dos servidores da Casa. Mas vi que tem gente muito boa, os servidores são muito bons. A Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] me incomoda mais, por exemplo, porque tem um bando de gente desocupada lá, só preocupada com esquemas. A qualidade do serviço público na Câmara é muito boa. O que incomoda é que ainda há gente com muito poder ali dentro mas que não usa isso a favor do Brasil.
O senhor está falando do Centrão?
O Centrão cresceu e tem um poder absurdo.
Mas isso é novidade? Ou vem lá da época de Severino Cavalcanti, depois quando Eduardo Cunha derrotou a ex-presidente Dilma Rousseff?
A impressão que eu tinha era que PT e PSDB tinham muita força e mais parlamentares e isso diminuía a força do Centrão, que era só o baixo clero. Hoje não, o Centrão é muito mais forte.
Mais forte porque é governo?
Ganhou mais força ainda por ser base do governo, sem dúvida.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é um antagonista ao Executivo?
Cada vez mais antagonista. Mas ele tem a força da caneta. Há três ou quatro meses, eram todos do mesmo grupo, por mais animosidade que existisse. Eram uma coisa só, mas brigaram. O Arthur Lira [PP-AL, ex-braço-direito de Eduardo Cunha], por exemplo, brigou, mas é um cara de palavra. Pode-se discordar dele, só que ele joga o jogo político abertamente, diferentemente dos outros que tentam esconder e acabam sacaneando. Os blocos se desmancharam, e o Arthur virou governo. Tem o Centrão de raiz [PP, PL, PTB, SD e Republicanos]. O Republicanos gostaria de mais protagonismo porque o Marcos Pereira [Republicanos-ES] quer ser presidente da Câmara. O DEM, o MDB, o PSDB, o Cidadania estão no outro campo.
O que vai acontecer na sucessão de Rodrigo Maia?
Vai surgir um candidato do Centrão. O Arthur Lira e o Marcos Pereira também são pré-candidatos, isso se eles não conseguirem compor. Mas acho que [o futuro presidente da Câmara] vai ser um candidato tragável do Centrão. O Rodrigo Maia ainda está testando, gosta do Marcelo Ramos [PL-AM], mas está testando. O Rodrigo vai tentar emplacar alguém dele. Tem muita gente correndo por fora, como o Elmar Nascimento [DEM-BA], e o nome da oposição é o Alessandro Molon [PSB-RJ].
E o Novo? Está confortável no partido? Alguns analistas políticos acham que se trata de um partido em cima do muro.
Até dentro do Novo tem gente que critica. Minha opinião é que o partido é o mais coerente, do início ao fim, o que não se deixa influenciar. Nas últimas votações, até em destaques [jargão político para ajustes feitos no texto principal de determinado projeto], é coerente. Não importa se vamos votar com o governo ou com a esquerda, votamos no que é correto, defendemos a mesma ideia. Há até alguma previsibilidade, porque sabem que não adianta falar com a gente para mudar de opinião. Temos um projeto, uma ideia, e quem muda não é o Novo, mas o governo.
Mas o senhor acha que o governo abandonou a agenda liberal?
Não estou dizendo que tenha deixado de ser liberal, mas parece não ser mais a prioridade. Era um governo liberal que até podia escorregar. Agora tem cada vez menos gente liberal. A saída do Salim Mattar [ex-secretário de Desestatização] foi um ponto importante. Com o Paulo Guedes e o Roberto Campos Neto [Banco Central], ainda há esperança. A equipe do Ministério de Minas e Energia é muito boa. O Tarcísio Gomes de Freitas [ministro da Infraestrutura] é muito bom, assim como a Tereza Cristina [ministra da Agricultura]. Mas o governo que foi eleito com a pauta liberal mudou um pouco, acho que não é mais a prioridade deles. A lógica agora é política pública ou política eleitoral?
A popularidade de Jair Bolsonaro sobe a galope, conforme as pesquisas. Hoje ele seria imbatível nas urnas?
Tenho dúvidas. O que define uma eleição é o medo do eleitorado de perder benefícios. Foi assim com Lula e Dilma. Mas acho que a população entendeu o que é política de governo e o que é eleitoreiro. Agora o foco é o Renda Brasil. Pergunto: de onde vai sair o dinheiro?
E a eleição deste ano em meio à pandemia? Numa visão macro, vai ser mais parecida com a de 2016 ou com a de 2018?
Neste ano nem Jair Bolsonaro nem o PT vão entrar em campo nem vão ter relevância. A figura do Lula não influenciará. Vai ser a eleição do Centrão sofisticado, uma eleição baseada nas pessoas e com a força de quem está na máquina, sem dúvida. O Bolsonaro não vai entrar, mas o governo vai entrar na eleição.
A PEC [proposta de emenda à Constituição] do Foro Privilegiado avança na Câmara?
Vai avançar. A proposta que tira a resistência dos políticos, o pulo do gato, é a que mantém o colegiado para medidas preliminares: prisão preventiva e temporária e busca e apreensão. Isso o juiz não poderia fazer para o deputado. Acaba com o foro, mas mantém as decisões em colegiado, não apenas do juiz de primeira instância sozinho. E isso faz algum sentido. O que o Rodrigo Maia propõe são as preliminares — e para isso tem que pedir autorização para a instância acima.
O que o senhor acha do afastamento do governador de seu Estado, Wilson Witzel?
Acho estranho. Foi eleito pela população e afastado por um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como sabemos que o governador tem culpa no cartório, vamos lá. Mas tem muita gente querendo agradar ao presidente em busca de uma vaga na dança das cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF). É um momento de interesses que não é o melhor para o país. Mas reclamar do afastamento do Witzel? Não vou. Ele não aprendeu com os erros do passado: foram quatro antecessores presos.
Silvio Navarro, Revista Oeste