PARIS - Em uma noite recente, Amar Sitayeb se espremia atrás de um pequeno balcão no minimercado que ele e seu irmão mais velho, Ali, administram há mais de 35 anos no bairro de Marais, centro de Paris. Um gato tigrado e cinzento rondava o chão, e fotos desbotadas de bebês do bairro, muitos agora adultos, estavam presas a uma velha caixa registradora.
Um grupo de frequentadores regulares entrou, pegou um pacote de batatas fritas, chicletes e refrigerantes. As compras eram, principalmente, uma desculpa para passar um tempo conversando com os dois irmãos marroquinos, prefeitos informais da região, conhecidos pelos moradores da rue Sainte-Croix de la Bretonnerie, uma via do Marais repleta de butiques, como os olhos e ouvidos da área.
Mas, no dia 31 de janeiro, a loja deles, Au Marché du Marais, foi fechada, aniquilada por uma maré de gentrificação, destino partilhado por quase todas as outras lojas e cafés independentes ao seu redor. "Conhecemos todos aqui, vivemos nossas vidas com eles e estamos tristes por partir", disse Ali Sitayeb, de 70 anos, antes de fechar sua loja.
No lugar do mercado, que vendia produtos básicos como papel higiênico e suco de laranja espremido na hora, ele disse, uma loja da grife de lingerie da Princesse Tam Tam seria instalada. Em uma rua em que os estabelecimentos agora vendem tênis de estilistas por 585 de euros, o fechamento da loja incomodou os moradores, para quem isso serve como um alerta da expansão das grandes marcas de luxo voltadas para turistas ricos que estão descaracterizando bairros e desgastando sua identidade cultural.
"Isso muda tudo", disse Eva Beau, médica que mora perto da loja dos Sitayebs há 20 anos. Ela costumava descer uma cesta com uma corda de seu apartamento no quarto andar, onde os irmãos colocavam café e outros pedidos. "O bairro não precisa de mais butiques", disse ela. "Precisamos do contato humano com pessoas como Ali e Amar."
Os irmãos, há muito tempo, debatiam qual seria o momento de se aposentarem. Quando um incêndio causado por um curto-circuito destruiu a loja, há cinco anos, o apoio dos vizinhos foi tão forte que eles decidiram continuar. Mas a grife de lingerie, administrada pela Fast Retailing, uma gigante japonesa do varejo, fez uma oferta irrecusável pelo espaço.
Quando os irmãos abriram a loja, em 1984, os preços estavam em francos franceses e o Marais, o histórico bairro judeu de Paris, conhecido então como morada para trabalhadores das indústrias têxteis e de metais, começava a se desenvolver. Açougues e padarias invadiam a área.
Quando cafés, bares e boutiques artesanais mudaram-se para lá, o Marais tornou-se o centro da comunidade LGBT de Paris. Mas a chegada de lojas de luxo explodiu desde o final da crise econômica e de endividamento da Europa em 2012 e isso acabou deixando pouco espaço tanto para as residências e lojas LGBTs, como para os estabelecimentos judaicos.
"São apenas roupas, roupas e mais roupas", disse George Fischer, aposentado que mora ao lado da loja dos Sitayebs há 20 anos. "Como um sutiã substitui meu suco de laranja?" O filho de Ali Sitayeb, Tariq, de 34 anos, que ajudou a administrar o mercado, disse: "As pessoas não querem que as coisas mudem. Mas a página está sendo virada." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Liz Alderman, The New York Times