Ben Affleck, roteirista premiado com o Oscar e diretor de “Argo”, que levou a estatueta de melhor filme, um ator melhor do que as pessoas costumam recordar —e, sim, divorciado e alcoólatra—, tem quatro filmes saindo este ano.
O Batman ficou para trás e sua agenda tem lugar para filmes de verdade, incluindo o primeiro trabalho nos últimos quatro anos em que tudo depende dele: “The Way Back” um pungente drama esportivo. Affleck interpreta um treinador escolar de basquete que enfrenta grandes problemas —ele é um bêbado teimoso que parece não conseguir parar em pé e termina destruindo seu casamento e indo parar na reabilitação.
“Pessoas que têm comportamentos compulsivos —e sou uma delas— sentem esse desconforto básico o tempo todo, e tentam fazê-lo desaparecer”, ele disse em uma entrevista de duas horas em uma praia de Los Angeles.
Ele pigarreia. “Bebi de modo mais ou menos normal, por muito tempo. Comecei a beber mais e mais quando meu casamento estava se deteriorando. Isso foi em 2015, 2016.”
O casamento de Affleck com Jennifer Garner, com quem ele tem três filhos, terminou em 2018, depois de uma longa separação. Ele disse que ainda se sente culpado mas que deixou a vergonha no passado. “O maior arrependimento da minha vida é o divórcio”, ele prossegue, falando no presente.
“The Way Back” se chamava “The Has-Been” [expressão usada em inglês para designar uma pessoa que fez sucesso no passado, mas deixou de fazê-lo], originalmente.
É válido dizer que nenhum astro quer aparecer no cartaz de um filme ao lado do título “The Has-Been”. E especialmente válido para um ator depois de dois trabalhos que decepcionaram nas bilheterias: “Liga da Justiça” (2017) e “A Lei da Noite” (2016).
Para algumas pessoas, Affleck continua a ser o cara que partiu o coração de Garner e que foi acusado de apalpar a apresentadora de um programa de entrevistas, em 2013. “Agi de modo inapropriado”, ele disse sobre esse incidente em 2017, quando o movimento #MeToo estava surgindo, “e peço sinceras desculpas”.
Hollywood certamente foi piedosa com Affleck. Ele acaba de rodar “Deep Water”, filme de suspense psicológico coestrelado por Ana de Armas (“Entre Facas e Segredos”). Este mês, a Netflix lançou “A Última Coisa que Ele Queria”, um filme de mistério mal recebido pela crítica, ancorado por Anne Hathaway e dirigido por Dee Rees.
Affleck também está trabalhando com Nicole Holofcener, indicada ao Oscar pelo roteiro de “Poderia me Perdoar?”, e Matt Damon, no roteiro de “The Last Duel”, que começa a ser filmado na França neste mês.
O ator não costuma falar sobre seu alcoolismo desde que completou sua terceira passagem por uma clínica de reabilitação, em 2018. Mas a chegada de “The Way Back” torna o assunto inevitável. Affleck aceitou que a segunda palavra em Alcoólicos Anônimos não se aplica a ele, certamente não depois de uma breve recaída no final do ano passado, quando apareceu bêbado no TMZ poucos meses depois de anunciar que tinha completado um ano de sobriedade.
“Demorei muito tempo para admitir para mim mesmo que era alcoólatra”, diz Affleck. “A próxima dose de bebida não será diferente.”
“The Way Back” foi dirigido por Gavin O’Connor (“O Contador”, um sucesso inesperado também estrelado por Affleck), com base em um roteiro de O’Connor e Brad Ingelsby (“Tudo por Justiça”).
Jack Cunninhgam (Affleck) é um operário de construção que está lidando com uma perda pessoal devastadora. Seu lar longe de casa é um bar decadente. Às vezes ele se tranca em seu apartamento e bebe caixas inteiras de cerveja. Começa cada manhã bebendo cerveja no chuveiro, com a lata equilibrada sobre uma saboneteira.
Sem saber de seu alcoolismo, o diretor da escola em que Jack estudou no passado o convida para treinar o time de basquete masculino, cuja autoestima é ainda menor que a de Jack. Melvin Gregg (“American Vandal”) estrela como um jogador com problemas fora das quadras.
“A parte mais difícil do filme, para Ben, foi realmente o basquete”, disse O’Connor. “Se você nunca jogou, estar na quadra é como patinar no gelo pela primeira vez. Mas quando essa parte foi resolvida, ganhamos muito ritmo. Ele já estava pronto a ir a alguns lugares muito sombrios e profundos, com a bebida.”
Perto do fim de “The Way Back”, Jack tem uma interação poderosa com sua ex-mulher (Janina Gavankar, “The Morning Show”). Àquela altura, ele já está em reabilitação e, quando ela o visita na clínica, ele lhe oferece um pedido de desculpas irrestrito.
“Falhei com você”, ele diz. “Falhei em nosso casamento.”
É um momento bruto, especialmente se observado pelo prisma de tudo que aconteceu com Affleck fora da tela. Não se pode evitar pensar em conversas parecidas que ele deve ter tido com Garner.
“Era importante, sem ser piegas ou falso, que ele pedisse desculpas a ela —que ele assumisse a responsabilidade pela dor que ele, e só ele, causou”, disse Affleck.
O’Connor disse que Affleck sofreu “um completo colapso”, no set, depois da cena.
“Foi como uma comporta se abrindo”, disse o diretor. “Foi assustador, e forte. Creio que aquele foi um momento muito pessoal. Acho que aquele era ele de verdade.”
Tradução de Paulo Migliacci
Brooks Barnes, The New York Times