segunda-feira, 25 de março de 2019

"Algema pornográfica", por Carlos Alberto Di Franco

A pornografia é um negócio poderoso, crescente e devastador. Causa dependência, desestrutura a afetividade, destestabiliza a família e passa uma pesada fatura no campo da saúde mental. Mas o mais grave, de longe, é a estratégia de “mesmitificação” do material pornográfico. Eliminou-se o carimbo de proibido. Superou-se o constrangimento da vergonha. Deu-se ao conteúdo pornográfico um toque de leveza, de algo sexy, divertido e moderno. Na prática, no entanto, a pornografia tem a garra da adicção e as consequências psicológicas, afetivas e sociais do vício mais cruel.
A Universidade de Princeton promoveu importante seminário interdisciplinar sobre o impacto da pornografia na sociedade atual. A partir da divulgação de dados, pesquisas e informações compartilhadas no encontro, as pesquisadoras norte-americanas Mary Eberstadt e Mary Anne Layden produziram um relatório, publicado no livro Os Custos Sociais da Pornografia: oito descobertas que põem fim ao mito do ‘prazer inofensivo’, lançado no Brasil pela editora Quadrante, São Paulo. Recomendo a leitura.
Na era da internet a pornografia invadiu computadores, implodiu relacionamentos e aprisionou muita gente. A pornografia cria uma imagem cínica do amor e transmite uma visão da sexualidade como puro domínio do outro.
Norman Doidge, importante psiquiatra canadense, tem tratado do tema com clareza e realismo. Mostrou, por exemplo, o que acontece no cérebro do consumidor assíduo de pornografia. A repugnância inicial aos conteúdos pornográficos, fruto dos naturais filtros morais, vai cedendo espaço ao acostumamento. O usuário demanda uma dose cada vez maior e mais “sofisticada” para obter os mesmos resultados. É a espiral da dependência. E dela brotam terríveis patologias sociais: violência, abuso sexual, pedofilia.
Frequentes denúncias de pedofilia na internet demonstram que a rede se está transformando no principal meio de aliciamento e exploração sexual de crianças. Apesar de proibidas pelas legislações, imagens de crianças em cenas de sexo pipocam constantemente na internet.
Abusadores criminosos põem à disposição do público arquivos com fotos pornográficas. Depois de localizadas, elas passam a circular entre usuários da rede e até em locais que poderiam ser considerados públicos. A crescente presença da pornografia infantil tem chocado a sociedade.
O problema, independentemente da justa indignação da opinião pública, não é de fácil solução. Envolve, de fato, inúmeras dificuldades de caráter político e operacional. Um mundo que não é capaz de estabelecer uma política unitária no combate às drogas dificilmente conseguirá desenhar uma plataforma comum na guerra à pornografia.
Na verdade, medidas preventivas são importantes, mas bastante limitadas. Policiar um sistema tão vasto e com tantos recursos técnicos seria uma tarefa extremamente cara e de resultados incertos. Embora seja possível bloquear o acesso aos sites publicamente conhecidos como pornográficos, os programas de filtros, apresentados como uma alternativa para impedir o acesso às páginas inconvenientes, diminuem o problema, mas não bloqueiam a perversa criatividade dos delinquentes do ciberespaço. 
Algumas medidas, no entanto, podem e devem ser adotadas. Os responsáveis pela divulgação de pornografia infantil, racismo, publicidade de drogas ou outro crimes devem ser rigorosamente punidos. Denunciar é um dever. Afinal, a rede mundial não pode ser transformada num instrumento da patologia e do crime.
A situação é grave. E exige forte autocrítica. A culpa é de todos nós – governantes, formadores de opinião e pais de família –, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes. Reportagens denunciando redes de prostituição infantil, algumas promovidas com o conhecimento ou até mesmo com a participação de autoridades públicas, crescem à sombra da impunidade. 
Mas a raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em certos ambientes politicamente corretos, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Hoje, diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidade.
Atualmente, graças ao impacto da TV e da internet, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que qualquer adulto de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. A inocência infantil está sendo impiedosamente banida. Por isso a multiplicação de descobertas de redes de pedofilia não deve surpreender ninguém. Trata-se, na verdade, das consequências criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenimento.
Os problemas levantados pelo mau uso da internet, embora gravíssimos, são infinitamente menores que os benefícios trazidos por esse notável canal de aproximação dos povos, de democratização dos conhecimentos e de globalização da solidariedade. Seus desvios não serão resolvidos por ineficazes tutelas governamentais. Na verdade, a internet salienta uma nova realidade: chegou para todos, sobretudo para a família e para os educadores, a hora da liberdade e da responsabilidade.
Os filtros são úteis, mas não substituem a presença da família. A educação para o exercício da liberdade é o grande desafio dos nossos dias. A aventura da liberdade, com limites e escolhas, acabará produzindo uma sociedade mais consciente e amadurecida.
*JORNALISTA

O Estado de São Paulo