domingo, 15 de julho de 2018

Saiba quais profissionais a Alemanha está buscando no exterior


Projeto de lei. O deputado Karamba Diaby faz parte da comissão que apresentou a proposta de “imigração controlada” - Jens Schlueter/Getty Images

BERLIM - Enquanto os países da União Europeia (UE) lacram suas fronteiras para evitar a entrada de refugiados, as empresas alemãs pagam headhunters para trazer talentos de outros países e conseguir preencher suas vagas. Com a economia em expansão e a redução do número de pessoas em idade ativa, a Alemanha faz uma “caçada” à mão de obra qualificada. Estudo do Instituto de Pesquisa de Mercado de Trabalho alemão revela que há atualmente no país 1,1 milhão de empregos que não foram ocupados por falta de profissionais. E essa escassez de quadros já gera perdas de € 7,6 bilhões por ano, segundo a Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK, na sigla em alemão).

— A situação é dramática — afirmou o secretário de Economia da Baviera, Franz Josef Pschierer.

Para tentar amenizar esse cenário, está em estudo uma nova lei que vai permitir uma “imigração controlada” de profissionais. Até agora havia na Alemanha e em outros países da UE um sistema de “cartão azul”, que permitia às empresas o contrato de profissionais altamente qualificados de fora do bloco, mas com um salário de, no mínimo, € 50 mil por ano. O projeto de lei, que já está no parlamento, vai abrir o mercado de trabalho para todos os níveis. Entre os profissionais mais requisitados estão engenheiros, técnicos em informática, médicos, enfermeiras e cuidadores de idosos.

Enquanto a contratação dos “altamente qualificados” continuará ocorrendo diretamente via empregador, com a entrada em vigor da nova lei, a admissão de profissionais de nível médio (sem curso superior) — de cozinheiros a mecânicos de automóvel — será controlada pela agência federal de trabalho, que quer evitar que a vinda de trabalhadores de fora da UE resulte em redução dos salários para todos, alemães e imigrantes. Também os sindicatos observam com desconfiança a nova lei, porque receiam dumping salarial.

Segundo o projeto, quem perder o emprego terá um ano para encontrar outro no país. Depois de cinco anos empregado, o imigrante terá direito a um visto de permanência definitivo na Alemanha.

— Sem os imigrantes, a população da Alemanha já estaria encolhendo — comentou Enzo Weber, do Instituto de Pesquisa de Mercado de Trabalho.

Atualmente com 82 milhões de habitantes, a Alemanha terá, segundo previsões, apenas 60 milhões em 2050. Só com uma forte imigração, a queda será menor e o total da população ficaria em 73 milhões.

— Até o ano de 2030, faltarão três milhões de especialistas — diz Weber.

Karamba Diaby, deputado do Partido Social Democrata (SPD), que faz parte da coalizão de governo da chanceler Angela Merkel, conta que em toda conversa que tem com empresários do seu estado, Saxônia-Anhalt, o principal problema apontado é a falta de profissionais qualificados:

— Em certas profissões, faltam 49 mil especialistas, como no caso de ajudantes de enfermagem e cuidadores de idosos.

Diaby, que nasceu no Senegal há 56 anos, faz parte da comissão que apresentou o projeto de lei no parlamento em novembro do ano passado. Como a proposta tem o apoio de todos os partidos, com exceção do ultradireitista AfD, é dada como certa sua aprovação após a tramitação formal. A lei deve entrar em vigor até o fim do ano, acredita um porta-voz da DIHK.

ALTA DEMANDA NO SETOR DE SAÚDE

A Baviera e Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, onde a economia mais cresce, são também as regiões que mais sofrem com a falta de profissionais. Um levantamento feito pela Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio revela que, só no estado da Baviera, a falta de profissionais em todos os níveis — atualmente são 260 mil vagas abertas e, até 2030, serão 542 mil — resultará em uma perda de € 325 bilhões entre 2018 e 2025 devido ao potencial de produção não efetivado por falta de pessoal.

A falta de pessoal é ainda mais crítica no setor de saúde. Segundo Jörg Leifeld, diretor da clínica de urologia do Hospital Borromäus de Leer, no norte da Alemanha, o sistema de saúde entraria em colapso sem a contratação de médicos estrangeiros.

— O número de médicos precisa aumentar em 40% para garantir um atendimento normal, sem muito tempo de espera — diz Leifeld.

Fluência em alemão. A boliviana Valeria Villafani trabalha no Hospital Borromäus de Leer: “Idioma é maior obstáculo” - Graça Ruether-Magalhães / Arquivo pessoal

Nos últimos anos, se interessaram pela oferta de emprego que Leifeld publicou na internet 30 médicos de Colômbia, Peru, Paraguai, República Dominicana, Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e México. Ao contrário das profissões técnicas, que dispensam o alemão fluente — para os profissionais de informática, por exemplo, basta o domínio do inglês — , o aprendizado do idioma é o primeiro desafio para o imigrante do setor de saúde.

— No início, o idioma é o maior obstáculo — diz a boliviana Valeria Campos Villafani, de 31 anos.

Nascida em Sucre, na Região Central da Bolívia, ela se dedica integralmente à carreira de cirurgiã especializada em abdômen. Valeria, que não é casada nem tem filhos, acaba de cumprir dois anos de prática no hospital de Leer.

— Na Alemanha, a sala de cirurgia é mais espaçosa e o equipamento, melhor do que na Bolívia — afirma.

SALÁRIO DE € 68 MIL POR ANO

Médicos que vêm de países de fora da UE precisam passar dois anos trabalhando sob a supervisão de um colega alemão para receber a licença para exercer a profissão. A perspectiva salarial é boa, mas os alemães lutam para conseguir candidatos, sobretudo em cidades pequenas como Leer.

Jörg Leifeld diz que médicos do Brasil também seriam bem-vindos, mas, até agora, não houve nenhum interessado em seu anúncio na internet.

A dominicana Valery. “País para quem gosta de trabalhar” - Arquivo pessoal


A dominicana Valery Rivas Rosado, de 35 anos, também médica, diz que viver na Alemanha “é bom para quem gosta de trabalhar”. De segunda a sexta-feira, ela trabalha no hospital de Leer das 6h30m às 18h. Além disso, tem os plantões. Mas ela está satisfeita com o salário de € 68 mil por ano.

— No início, os pacientes alemães olhavam desconfiados e com medo de serem examinados por mim, mas, depois, viram que tenho uma aparência diferente (ela se define como “afrodominicana”) porém sou igualmente competente.

Em Leer, cidade de 30 mil habitantes, Valery sente falta apenas de um cabeleireiro especializado em cabelos crespos e enrolados, pois acha que os salões alemães não sabem tratar bem do seu “afrolook”. A vida em Leer é pacata, bem diferente da fervilhante Santo Domingo, capital da República Dominicana, mas ela está satisfeita e não se arrependeu em nenhum momento da sua coragem.

O peruano Luis Navarro, de 29 anos, foi contratado com a ajuda de um headhunter. O cirurgião também concluiu a fase inicial de dois anos e já pode trabalhar sem supervisão:
— A especialização em cirurgia na Alemanha é sensacional.

A Academia Dekra é um dos muitos institutos que se especializaram em cursos intensivos de alemão para profissionais estrangeiros. Só em Stuttgart, cerca de mil jovens de profissões técnicas e enfermeiros aprendem o idioma e “como é a vida na Alemanha”. 

Segundo a vice-diretora do instituto, Esther Wursler, os headhunters costumam buscar talentos em Sérvia, Bósnia, Kosovo e Albania.

— Esses países têm uma população média muito jovem, um bom nível de educação e, por isso, são ideais para a busca de novos profissionais — diz ela.

Também na capital Berlim há grande demanda por profissionais estrangeiros. A empresa Visual Meta, de internet, recentemente comprada pela cadeia Axel Springer, procura atualmente engenheiros java e de software e designers UX/UI. Para essas vagas, é exigido diploma em Ciências da Computação, dois anos de experiência em tecnologia web e falar inglês. O anúncio foi divulgado até em português na internet. Procurada, a empresa não quis comentar sobre a oferta de vagas.

O CAMINHO DAS PEDRAS PARA TRABALHAR NA ALEMANHA

Contratações. Na Alemanha e em outros países da União Europeia, há um sistema de “cartão azul” que permite às empresas contratar profissionais “altamente qualificados” de fora do bloco com salário de, no mínimo, 50 mil euros por ano. Projeto de lei, que ainda depende de aprovação do parlamento alemão, prevê abrir o mercado de trabalho para todos os níveis de formação.

Profissões: Entre os profissionais mais cobiçados estão os formados em Informática e Engenharias Mecânica, Automotiva e Elétrica, bem como em Medicina e Enfermagem. 

Depois da entrada em vigor da nova lei, haverá chance para profissionais técnicos, como mecânicos, metalúrgicos e outros trabalhadores de fábricas que tenham curso profissionalizante.

Idioma: Para médicos e enfermeiras, o idioma alemão é indispensável. Já profissionais de informática e engenheiros podem começar a trabalhar só com o inglês (fluente) e aprender alemão depois de chegar.

Oferta de vaga. Muitas empresas alemãs publicam anúncios de emprego na internet. Fazendo a busca com a palavra fachkraefte, que significa mão de obra especializada em alemão, o candidato encontra mais resultados.



Graça Magalhães-Ruether