domingo, 15 de julho de 2018

"As novas inimigas do PT", por Ascânio Seleme

Basta tomar uma decisão, qualquer decisão, contra o partido para ganhar o ódio eterno de seus líderes e militantes


Com a sua infinita capacidade de procurar e achar fantasmas, o Partido dos Trabalhadores tem, desde o início desta semana, mais três inimigas. A ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a juíza da 12ª Vara de Execuções Penais do Paraná, Carolina Moura Lebbos. As três se opuseram a duas novas jogadas do PT. Mais grave ainda, tiveram a ousadia de atingir o ex-presidente Lula com as suas ações, impedindo que ele fosse solto naquela manobra da tropa de choque do partido de domingo passado e proibindo-o de fazer campanha desde a sala em que está preso da PF de Curitiba.

As três passaram imediatamente a receber ataques de lideranças políticas do PT na Câmara e no Senado e viraram objeto da ira da militância nas redes sociais. A presidente do STJ denunciou e refutou a tramoia dos deputados petistas com o desembargador plantonista que pretendia livrar Lula num fim de semana. A ministra também rejeitou mais de uma centena de habeas corpus em favor do ex-presidente com teor idêntico. A procuradora-geral pediu que o desembargador que quis soltá-lo seja investigado pelo STJ e pelo Conselho Nacional de Justiça, e a juíza do Paraná proibiu Lula de fazer campanha da cadeia.

Laurita, Raquel e Carolina exerciam seu ofício e cumpriam o seu dever. Não foram instadas ou manobradas por forças externas. Responderam a demandas que lhes foram colocadas e tomaram decisões legais em razão das funções públicas que ocupam, ao contrário do desembargador Rogério Favreto, que extrapolou de seu mandato ao tentar interferir solitariamente, num plantão oportunista dominical, em sentenças promulgadas por colegiado de seu tribunal e por instâncias superiores. O PT viu “criminalização judicial” nestes atos.

Até domingo passado, o PT acusava a Justiça de ser criminosa por condenar Lula sem provas. Dizia que ela havia sido politizada e que escolhera um lado, o lado oposto ao seu. Agora, denuncia a sua criminalização, sugerindo que a Justiça foi feita pelo desembargador Favreto e criminalizada por Laurita Vaz e Raquel Dodge. Outra manifestação de desapreço pela coerência foi feita na quinta-feira, depois que o juiz Ricardo Soares Leite absolveu Lula e outros seis acusados de obstrução de Justiça. Segundo o PT, a decisão foi “justa e imparcial”.

Decisão boa da Justiça é a que atende aos seus interesses, a que inocenta, a que não manda prender ou a que manda soltar aliados que cometeram crimes contra o erário. No caso da obstrução da Justiça, faltou prova para a condenação, segundo o juiz, que concordou com tese igual do Ministério Público. No caso do tríplex do Guarujá havia provas abundantes, juiz e MPF concordaram, e o Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre, aceitou a condenação e ampliou a pena. Mesmo assim, os advogados de Lula disseram que um caso foi decidido com imparcialidade e que o outro foi ilegítimo.

Legítimo deve ser o método Igreja Universal adotado pelo PT para entupir a Justiça de ações com o mesmo teor de maneira a fatigar juízes até encontrar um que aceite a tese. Foi o que ocorreu com os 143 habeas corpus em favor da libertação de Lula impetrados por militantes e rejeitados em conjunto pela ministra Laurita Vaz. Com a mesma redação, os HCs repetiram estratégia do bispo Edir Macedo contra a jornalista Elvira Lobato, da “Folha de S. Paulo”. Em 2007, a Universal moveu 111 ações de danos morais contra Elvira por conta de uma reportagem sobre o patrimônio dos bispos. A igreja perdeu todas.

Holofotes para Lula
Ao negar a Lula o direito de fazer campanha desde sua cela em Curitiba, a Justiça o proibiu também de participar de entrevistas tipo sabatina, destinadas a conhecer os planos de candidatos a cargos eletivos. Faz todo sentido. Por lei, Lula não é nem pode ser candidato, está inelegível. Também não cabe transformar sua cela num ambiente de permanente interlocução do ex-presidente com os eleitores. Claro que não. Agora, é democrático e razoável permitir que Lula faça uma declaração de apoio ao seu partido e ao seu futuro candidato.

O candidato
O futuro do PT pode ser mais ou menos brilhante, dependendo dos próximos passos do partido. A manutenção de Lula como “candidato” tem dois objetivos. O primeiro, atender ao próprio, que teme ser esquecido quando a artilharia petista passar a defender o verdadeiro candidato a presidente. O segundo, preservar até o limite o nome a ser ungido. Seria a antítese de João Doria, que se lançou cedo demais e acabou queimado e fora do jogo.

Queda de avião
Perguntado se Lula pode ser solto e ter sua candidatura autorizada pelo TSE, apesar da Lei da Ficha Limpa, um ministro do STF respondeu assim: “Todos, em todas as instâncias, têm que errar muito. É queda de avião”.

A faixa
Na década de 1990, Fernando Henrique Cardoso sentou-se na cadeira do prefeito de São Paulo dias antes da eleição municipal. Perdeu para Jânio Quadros, que no dia da posse passou um desinfetante no móvel. Na quinta passada, Jair Bolsonaro vestiu a faixa presidencial numa visita a Marabá. Claro que não era a verdadeira. Ninguém, portanto, precisará desinfetá-la no dia 1º de janeiro de 2019.

Café frio
Uma briga grande entre a União e os estados do Pará e do Espírito Santo em torno da renovação das concessões das ferrovias da Vale acabou mostrando como o café do Palácio do Planalto anda frio, quase gelado. O ex-ministro Helder Barbalho, filho de Jader e candidato a governador do Pará, deu uma bronca em Temer no seu gabinete, com direito a dedo em riste, porque os termos do contrato de renovação não beneficiam o seu estado.

Café frio 2
“Você quer destruir a minha candidatura”, disse Helder a Temer, usando a segunda pessoa do singular. Dono de um governo fraco, dividido por inúmeros interesses exóticos, o presidente acalmou o candidato: “Vamos ver, vamos ver”. O processo, que significaria investimentos de R$ 4 bilhões a R$ 10 bilhões, parou.

Idosos gastam mais
Um estudo do FED, o Banco Central dos Estados Unidos, revela que um americano médio gasta com a manutenção de sua saúde nos últimos dois anos de vida mais do que em toda a existência anterior. No Brasil em crise, muitos deles sustentam com suas aposentadorias toda a família. É preciso dar mais atenção aos nossos velhinhos.



O Globo