quarta-feira, 11 de julho de 2018

Projetos prontos para votação no Congresso criam despesa de R$ 48 bilhões


Sessão do Senado Federal. Presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE) - Ailton de Freitas / Agência O Globo


Às vésperas do período eleitoral e prestes a entrar em recesso, o Congresso Nacional tem prontas para votação pautas de interesse de estados, municípios e setores específicos da economia com potencial de gerar um rombo bilionário para a União, como alertou a colunista do GLOBO Míriam Leitão em sua coluna no último sábado. O Tesouro pode ter de arcar com, pelo menos, R$ 48,3 bilhões em projetos que preveem desde compensações maiores por desoneração de ICMS sobre exportações até a facilitação para criação de cidades.

Nesta terça-feira, o governo amargou a primeira derrota no plenário do Senado, que aprovou projeto que susta o decreto presidencial que modificou a tributação sobre o xarope usado na fabricação de refrigerante. O texto, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, pode gerar uma conta de R$ 740 milhões que terá de ser coberta pela União.

O projeto atende a um pleito do setor de refrigerantes que ficou insatisfeito com a redução de acúmulo de crédito tributário para abatimento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pago. A mudança na tributação da bebida foi feita para compensar, em parte, a redução de PIS/Cofins sobre o diesel, negociada para pôr fim à greve dos caminhoneiros.

Paralelamente, a equipe econômica tenta diminuir os efeitos de leis aprovadas e que afetam as contas públicas. O governo pretende enviar em breve um projeto de lei ao Congresso para regulamentar os efeitos de emenda constitucional aprovada pelo Legislativo e que determinou que a União abrisse linha de crédito subsidiado para pagamento de precatórios estaduais (valores devidos por perdas judiciais).

Entre as pautas que estão prontas para o plenário e que podem deixar uma fatura alta para a União está o projeto de lei complementar que compensa os estados pela desoneração de ICMS sobre exportações, a chamada Lei Kandir. Pelo texto, o governo federal pode ter de pagar R$ 39 bilhões anuais aos entes federativos, dez vezes o que a União estava disposta a arcar inicialmente, R$ 3,9 bilhões. A proposta foi aprovada em comissão especial em maio e está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados.

Outros dois projetos que tramitam em fase final no Legislativo dão facilidades para municípios. Um deles, que está no plenário da Câmara, permite que prefeituras que tiverem uma queda na arrecadação superior a 10% fiquem isentas de punição se desrespeitarem o limite para gasto com pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O outro projeto facilita a criação e desmembramento de municípios. A proposta não tem impacto direto nas contas federais a curto prazo, mas há uma preocupação com os gastos para criação de uma nova estrutura administrativa para esses municípios. Para cada nova cidade, serão criadas prefeituras, câmaras de vereadores e toda a estrutura necessária para tocar a máquina pública.

MAIS 300 MUNICÍPIOS

O texto já foi aprovado no Senado e agora está na Câmara. O projeto pode viabilizar a criação de 300 municípios nos próximos cinco anos. O texto é similar a uma proposta aprovada pelo Congresso em junho de 2014 e vetada pela então presidente Dilma Rousseff. Na época, o argumento para o veto foi que a lei “causaria desequilíbrio de recursos dentro dos estados e acarretaria dificuldades financeiras não gerenciáveis para os municípios já existentes”. Além disso, a criação de municípios implicaria redivisão de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O projeto permite a criação de municípios com, pelo menos, 6 mil habitantes nas regiões Norte e Centro-Oeste; 12 mil habitantes no Nordeste; e 20 mil no Sul e no Sudeste. Outro ponto criticado na proposta é o que permite a fusão e a incorporação de municípios.

De olho na eleição, os parlamentares podem usar essas propostas para agradar a suas bases eleitorais. Como devem ficar totalmente mobilizados pelas eleições no segundo semestre, o que paralisa o Legislativo na segunda parte do ano, deputados e senadores podem aproveitar os últimos dias antes do recesso parlamentar para votar essas propostas a toque de caixa. E o governo sabe que tem pouca força de mobilização da base quando o assunto são pautas de interesse de estados e municípios.

Ao GLOBO, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que tem trabalhado para evitar projetos que aumentem despesas:

— Seguro há algum tempo parte daqueles projetos (que podem aumentar gastos). Acho que não passa (esse projeto que cria municípios) e, se passar, será com uma emenda restringindo muito essa criação de municípios.

Outro projeto polêmico, já aprovado na Câmara e que terá de tramitar agora nas comissões do Senado, pode gerar uma perda de R$ 8,6 bilhões para os cofres públicos esse ano. E R$ 9 bilhões no ano que vem. Os deputados incluíram no texto, que cria um marco regulatório para o transporte de cargas, uma série de benefícios fiscais para o setor. Pela proposta, as empresas que renovarem suas frotas ficariam isentas de PIS/Pasep, Cofins e IPI. Dispositivos incluídos no texto também permitem que o valor gasto pelas empresas em pedágio seja descontado do Imposto de Renda devido.

O projeto que trata do marco regulatório do setor de transportes também abre a possibilidade de anistia para multas aplicadas aos caminhoneiros até a data de publicação da lei. Procurada, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não informou qual é o valor das penalidades.

SEM ESPAÇO NO ORÇAMENTO

Pelas contas da equipe econômica, toda a sobra dentro do Orçamento foi utilizada para viabilizar a redução do diesel para os caminhoneiros e não há espaço fiscal para mais gastos. O governo tem usado esse argumento para empurrar despesas vultosas já aprovadas pelo Legislativo mas que não cabem nas contas. O discurso entoado por ministros e secretários nos últimos meses, diante de projetos que colocam em risco o equilíbrio das contas públicas, é que a própria Constituição Federal veda a aprovação de novas obrigações sem dotação orçamentária suficiente. Assim, qualquer novo gasto implica um corte em outra rubrica:

- Se demandar orçamento nesse ano, precisa ser cortado de outras áreas - disse uma fonte da equipe econômica.

Um exemplo foi a lei que renegociou e concedeu a produtores rurais descontos no saldo de dívidas com bancos e agências de fomento. O Congresso inseriu essa permissão no projeto que negociou débitos de produtores com o Funrural, com possível impacto de R$ 17 bilhões para a União. Sem espaço para comportar isso, o Tesouro Nacional emitiu um comunicado aos bancos determinando que essas dívidas não fossem negociadas até que houvesse previsão orçamentária. E negociou com os parlamentares uma medida provisória (MP) reduzindo a abrangência da lei a pequenos produtores. Assim, espera-se que o efeito da medida caia para cerca de R$ 2 bilhões.

O governo também se desdobra para diminuir o impacto de outra lei aprovada pelo Congresso à revelia da equipe econômica. O Ministério da Fazenda deve encaminhar nos próximos dias um projeto para regulamentar a lei que determina que a União abra uma linha de crédito com juros subsidiados para viabilizar o pagamento de precatórios (decisões judiciais) por estados e municípios. Com o texto, a equipe econômica espera reduzir os efeitos da lei. A expectativa é que o impacto fiscal da medida fique apenas para 2024.



Bárbara Nascimento e Manoel Ventura, O Globo