sábado, 14 de julho de 2018

O resgate dos meninos, o plantão do TRF4 e ‘A Montanha dos 7 Abutres’, por Vitor Hugo Soares

Mal refeito da ressaca pesada causada pela derrota da seleção na Copa da Rússia, domingo (8/7) o País acompanhava — solidário e meio distraído — o noticiário sobre o sucesso inicial da incrível operação de resgate do primeiro grupo de garotos do time Javalis Selvagens e seu treinador, presos em uma caverna na Tailândia, desde o dia 20 de junho.
Na mesma data, logo cedo, começou também, a estranha transação do plantão do TRF4, protagonizada a partir de Porto Alegre, pelo desembargador Rogério Favreto. Com uma canetada monocrática, ele mandou soltar, “com urgência”, o ex-mandatário e pré-candidato do PT às presidenciais deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por um tribunal superior, a 12 anos e um mês (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro), preso numa cela da PF, em Curitiba.
O domingo, que na tradição popular “pede cachimbo”, ficou carregado de tensões e conflitos jurídicos. Fla x Flu insensato de ódios e agressividades nas redes sociais da web, palpites e desinformação de todo tipo e de todo lado, até que o presidente do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Carlos Eduardo Thompson Flores, deu um basta. Decidiu que Lula continua preso e que o processo retorna ao relator, Gebran Neto.
Na terça-feira, 10, “ódios aplacados, temores abrandados”, como nos versos da canção Amanhã, de Guilherme Arantes, o jornalista (em geral cético pelos ensinamentos da profissão) volta-se novamente para o drama na Tailândia, e fica outra vez esperançoso e contente, ao ler o relato da repórter Macarena Vidal Liv, do El Pais, em cima do fato, direto da porta da caverna, dando conta de que acabara de ser concluída com sucesso, a delicada operação de resgate dos 12 meninos do time Javalis Selvagens e do treinador, presos dentro da gruta de Thang Luang, no norte do país asiático.
“Foram necessários dezenas de mergulhadores, um enorme esforço de cooperação internacional e uma luta corajosa contra o tempo e a água. Mas o alívio é imenso”, assinala a enviada especial do jornal espanhol. Todos salvos, neste caso exemplar para o mundo, pelas muitas lições que encerra, inclusive de competência técnica e e entrega humanitária. Estou contente também.
Mas confesso: no começo desta história exemplar como poucas, inclusive para o jornalismo, temi por um desastre no fim. Um tipo de temor parecido ao que senti, igualmente, domingo passado, diante das primeiras notícias sobre a “inusitada e teratológica” decisão do desembargador plantonista do TRF4, na perfeita definição da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, ao negar habeas corpus apresentado contra a decisão do presidente do TRF4, que cassou o mandado de soltura de Lula.
A preocupação, principalmente no caso dos meninos presos na caverna da Tailândia, veio acompanhada da lembrança do filme antológico A Montanha dos Sete Abutres (1951), de Billy Wilder, que critica ferozmente a falta de ética no jornalismo. A história de Charles Tatum, o jornalista sem escrúpulos de um jornalzinho do interior dos Estados Unidos (mas que ambiciona o Pulitzer) e do mineiro Leo Minota, que sofre um acidente e fica preso nas ruínas de uma antiga mina indígena no estado do Novo México. O fato desperta interesse dos grandes jornais, e Tatum (Kirk Douglas), decide, então, interferir no fato. E temos o trágico drama de “como a imprensa, um dos pilares da democracia, acaba muitas vezes, tomada pela mistificação e pela empulhação militante, e se converte num dos maiores algozes do regi me das liberdades públicas”, leio em artigo sobre o filme, no Observatório da Imprensa, do saudoso Alberto Dines.
Imagino que, onde ele estiver, também deve estar contente com o jornalismo e o desfecho (oposto ao da obra prima de Wilder), nos casos dos meninos da Tailândia e do absurdo de domingo passado, no plantão do TRF4. Viva!
Vitor Hugo Soares é jornalista
Com Blog do Noblat, Veja