domingo, 29 de julho de 2018

O PT foi meu melhor erro, diz Pedro Cardoso

O ator no palco do Teatro MorumbiShopping, onde está com três peças em cartaz 
O ator no palco do Teatro MorumbiShopping, onde está com três peças em cartaz  - Greg Salibian/Folhapress


Pedro Cardoso liga o gravador de voz de seu celular para registrar a conversa com a Folha. “Eu gravo tudo. Faço um arquivo de mim mesmo. O Fernando Henrique [Cardoso] que me ensinou isso”, conta o ator de 55 anos, que é primo do ex-presidente.

Cardoso vive há três anos em Portugal. E está em São Paulo para uma temporada com três peças no Teatro MorumbiShopping: um monólogo e dois espetáculos de improviso —um deles, infantil. Quando o trabalho acaba, costuma ir com os colegas ao restaurante Galeto’s, na praça de alimentação.

No domingo (22), dividia a mesa com a atriz Bianca Byington e com músicos do espetáculo. “Vamos pedir um frango!” E diz ao garçom: “Tenho pressão alta. Tem que fazer sem sal”. Logo se arrepende: “Com pouco sal, vai”. E começa a dar a entrevista, cujo resumo segue abaixo:

O BRASIL

Estou muito assustado com a instabilidade da confiança na democracia que se instalou no Brasil a partir da revelação da amplidão do roubo que a classe política e uma parte da elite econômica produzem no país.

A democracia brasileira não é suficientemente eficiente para evitar que o poder seja tomado de assalto. E essa falha provoca a ilusão de que algum regime ditatorial pode consertar as coisas. O que conserta é o incremento da democracia, e não a instalação de alguma ditadura.

O PT

Votei no PT a vida toda. Não tenho nenhuma ilusão. O PT cometeu crimes terríveis contra a democracia. Entretanto, também acho que o ódio ao PT como o único mal do Brasil não é o ódio ao PT. É um ódio à brasilidade, que o PT, ainda que simbolicamente, representa.

Acho que, de todos os erros, o PT foi o meu melhor erro. Olha as opções que eu tinha.

O PRIMO FHC

Minha relação com Fernando Henrique é familiar, fraternal. Conversamos sobre qualquer coisa. Ele compreende muito bem as razões de alguém votar no Lula. Como eu compreendo as razões de alguém votar nele. Não há conflito.

O PRESIDENTE

O governo Temer é uma calamidade absoluta. A culpa é de quem? Em grande parte é do PT! Que botou lá o Temer. E a outra parte é das pessoas que lutaram para tirar a Dilma.

Não tem mocinhos nessa história. Só bandidos. Mocinho, só o povo.

O POLÍTICO

É perigosíssimo [afirmar que nenhum político presta]! Mas a gente não pode deixar de falar porque é perigoso. Um país em que a classe política, em sua grande maioria, é desonesta, é um país perigoso. As pessoas que estão morrendo nas favelas sabem disso.

AS REDES SOCIAIS

Fiz uma conta de Instagram porque eu não cabia mais dentro de mim. Odeio rede social. Mas fiquei açodado com tudo e me senti afrontado pelas versões simplistas que o fascismo foi construindo para lidarmos com a realidade.

O FASCISMO

Tudo o que temos vivido até aqui me parece uma tomada de decisão a priori. O que é o mecanismo do fascismo. O fascismo se organiza simplificando as questões complexas. Evitando, assim, que haja uma conversa profunda sobre as coisas, entende?

O fascismo muitas vezes está disfarçado também de uma democracia regular. Porque o que o PT fazia também era uma atitude fascista. Você colocar o Estado para financiar o teu projeto e se imaginar perpétuo no poder é fascista.

Aí o sujeito grita: ‘Voltem os militares’. E isso é tido como atitude fascista. É também. Vejo fascismo em muitas coisas. Mas não sei se na alma do povo existe a vontade de aniquilar o inimigo. Acho que não.

A gente precisa parar com essa fantasia de que a vitória é a anulação do inimigo. A vitória é o convívio com o inimigo. De ideias, de intenções.

Agora, tudo isso tem um chão de onde não pode passar: a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Abaixo daquilo, é difícil conversar.

As perguntas que você faz poderiam me conduzir a uma simplificação, a responder: ‘Estamos vivendo uma fase reacionária’. Estamos vivendo uma coisa que não sabemos o que é! E é assustadora porque não queremos pensar nela! Preferimos fingir que alguém vai resolver pra nós.

A LAVA JATO

Ela é portadora de uma verdade e ao mesmo tempo uma manipulação política. Acho que muitas pessoas envolvidas têm mais alegria em condenar o PT do que em condenar o PSDB. 

Os dois partidos mais organizados ideologicamente no Brasil, o PT e o PSDB, têm suas lideranças envolvidas em casos de corrupção. Não podemos passar por isso como se fosse uma coisa acidental. Isso é o Brasil. E o Brasil tem que lutar para deixar de ser isso.

A TV GLOBO

A Globo, pra mim, significa o que significa para qualquer ator brasileiro: um eventual bom lugar para se trabalhar. Ponto. Nem mais, nem menos. É a mesma Globo de quando eu comecei, há 30 anos. Muito pouca diferença.

Ainda acho que é o melhor lugar para se trabalhar, em televisão, em oposição às outras que estão dominadas por fanatismos religiosos, desonestidades de fundo religioso. Ou de fundo de desinteresse absoluto por qualquer coisa.

A família Marinho [que controla a emissora] tem méritos por ter uma empresa organizada. Dentro do que eles compreendem ser importante para o Brasil, eles fazem. É um assunto, para mim, sem conflito.

AS NOVAS PLATAFORMAS

O Google é um patrão desinteressado do conteúdo. Foi um sujeito realmente genial que bolou uma coisa maravilhosa e deu um emprego para toda a humanidade.

Ele ofereceu uma plataforma. ‘Vocês põem lá o que quiserem, pouco me importa o que é.’ Ele ganha dinheiro independente do conteúdo que é postado lá.

Então é um patrão muito estranho. Sem cara, sem editorial. A Globo tem editorial. Eu posso concordar ou discordar.

Uma das fontes de angústia do mundo contemporâneo, para mim, é o Google. Um patrão sem ideologia, sem cara. Sem caráter.

Paga-se malíssimo. Tem pouquíssimo dinheiro ali, a não ser para eles mesmos. E é um capital estrangeiro cravado dentro do Brasil. As outras empresas brasileiras são capital nacional. Tem aí alguma coisa a ser considerada, né?

A NETFLIX


É um patrão com cara. É uma produtora de conteúdo. Tem uma certa linha. É melhor de negociar. Mas tem um fraco interesse na produção brasileira.

O interesse dessas empresas americanas é despejar aqui o conteúdo americano que já está amortizado há muito tempo. Então não sou um grande entusiasta no momento. Embora compreenda que algumas pessoas obtiveram voz aí nessa tecnologia.

Mas é o mesmo que dizer que o futebol é a solução do Brasil, entende? Porque uma meia dúzia de garotos vai ficar famoso no futebol, mas milhões não vão ficar.

Algumas pessoas vão aparecer, vão virar youtuber, vão falar e tal. Mas isso não equaciona, para mim, a questão da produção audiovisual brasileira, não mexe também com nenhuma profundidade nas questões da identidade cultural brasileira.

Eu tenho nostalgia do [dramaturgo] Dias Gomes, se você quer saber. Ah, tenho. Ele fazia novelas que davam identidade ao Brasil. [O escritor] Ariano Suassuna escreveu uma obra que contribuiu profundamente com a identidade do país. Você vê uma palestra do Ariano Suassuna, você entende quem você é.

A GRANDE DÚVIDA

Já estou bêbado de tanto falar! Entrevista tem que ter limite [risos]. A boa resposta, hoje, pra mim, é ficar na dúvida. Estou na dúvida de tudo
Bruno B. Soraggi e Monica Bergamo, Folha de São Paulo