Algo de novo no front
O anúncio surpresa de que EUA e União Europeia fizeram um acordo para pôr fim à guerra comercial entre eles desarma pelo menos uma das frentes de batalha. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o presidente Donald Trump afirmaram que reduzirão tarifas a começar de aço e alumínio que haviam sido elevadas pelos americanos. Isso desanuvia, mas não encerra a guerra comercial.
A tensão com a China continua elevada e todos os movimentos dos dois lados até agora são perigosos para nós. Os ganhos brasileiros com a guerra comercial Estados Unidos-China são passageiros, as perdas podem ser mais prolongadas. O Brasil vende neste momento mais soja para a China, mas a escalada do subsídio aos produtores americanos, anunciada por Trump na terça-feira, deve deslocar o país em terceiros mercados. No extremo, o risco é de queda da atividade no mundo inteiro e de perda da função da OMC, o que instauraria a lei do mais forte.
O entendimento entre EUA e seu tradicional aliado foi o lado bom de ontem. Na véspera, a notícia de que a China iria elevar incentivos à economia local foi comemorada no mercado, mas é um movimento defensivo que pode ter efeitos negativos.
Nesse aumento da incerteza e da instabilidade internacional, como estamos? O Brasil está lentamente recuperando a corrente de comércio. Este ano será melhor do que o que passou, mas US$ 90 bilhões abaixo do pico de 2011. O cenário do comércio internacional tem boas e más notícias, todas derivadas do tempo presente. E é ele, o presente, que está ficando mais fluído e incerto.
Os dados do comércio externo brasileiro este ano têm surpresas e problemas antigos. Apesar de o PIB estar patinando, as exportações cresceram 5,58% e as importações aumentaram 17,19%. Na média, a corrente de comércio saltou 10%. Principalmente o dado da importação é positivo, porque indica que o consumo está um pouco mais forte. As importações de bens de capital dispararam 53% e isso é sinal de que as empresas estão voltando a investir ou repondo a depreciação de máquinas e equipamentos. É surpreendente diante da queda do índice de confiança empresarial.
As exportações de produtos manufaturados cresceram 9%, com aumento na venda de aviões, tratores, motores e vários outros produtos industrializados. Poderia ser melhor, se não fosse a crise na Argentina, que impactou a venda de veículos. O saldo comercial foi de US$ 29,9 bilhões nos seis primeiros meses do ano, e a projeção da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) é de que chegue ao final do ano em US$ 56 bilhões. Um valor muito elevado, apesar de ser 15% menor do que em 2017.
Ao mesmo tempo, os velhos problemas persistem. Três produtos, soja, minério de ferro e petróleo, concentram 30% de toda a pauta exportadora, e 9 entre os 10 principais itens vendidos são commodities. Isso quer dizer que o país continua exposto às oscilações de preços nos mercados internacionais. Mesmo com toda a desvalorização do real, a exportação de manufaturados parece estagnada quando se olha a série histórica. Pela estimativa da AEB, ficará em US$ 82 bilhões este ano, contra US$ 80 bilhões do ano passado e US$ 83 bi de 2007, há mais de 10 anos. E o que chama atenção é que o dólar, naquele ano, caiu a R$ 1,73, enquanto neste ano disparou a R$ 3,92. Mais uma vez, fica demonstrado que a perda de valor da moeda, por si só, não é suficiente para fazer o país ser competitivo internacionalmente.
A indústria brasileira tem enorme dificuldade de vender para além do Mercosul. E o nosso principal parceiro na região, a Argentina, está atravessando novamente uma crise econômica que está tendo impacto sobre as nossas exportações. O peso já perdeu mais de 50% do seu valor e isso, por si só, retira poder de compra dos importadores argentinos.
Pelas estimativas da AEB, o Brasil continuará representando apenas 1,1% do exportação mundial. Chegaremos ao final do ano no 25º lugar entre os maiores exportadores e na 27ª posição na importação.
Se o caminho for desmontar as barricadas, como aconteceu ontem na Europa, melhor. Se a tensão se elevar como aconteceu entre a China e EUA os desdobramentos serão imprevisíveis e difusos. Péssimo ambiente para o Brasil sair da sua crise.
Com Alvaro Gribel, de São Paulo
O Globo