Elma Izai faz sexo. Aos 68 anos, ela não vê problemas em falar sobre o assunto, e estranha, isso sim, quem considera um tabu relações sexuais entre idosos. Casada há mais de três décadas, Elma integra a geração que revolucionou o papel da mulher no sexo: ela tinha 10 anos quando, em 1960, a primeira pílula anticoncepcional chegou ao mercado; tinha 18 quando o movimento feminista explodiu em protestos na França; e, hoje, já na terceira idade, faz parte do contingente de mulheres com mais de 60 anos que é o mais sexualmente ativo de toda a História brasileira.
— Eu entendo sexo como parte da felicidade — diz Elma.
Jayme Pereira Príncipe também faz sexo. Aos 82 anos, ele está viúvo há 20 e namora há 14. Quando perguntado sobre planos de um novo casamento com a atual namorada, de 59, ele responde com um bem-humorado “por enquanto, não”. Jayme passou a vida toda cuidando da alimentação, fazendo exercícios e dormindo bem. Ele vê nisso uma relação direta com sua boa disposição para o sexo. Mas, diferentemente de Elma, o simples fato de ter nascido homem já o torna parte de um grupo que, tradicionalmente, teve mais liberdade para manter relações sexuais por mais tempo — e para falar à vontade sobre isso.
Se, em 2008, 87% dos homens com 60 anos ou mais eram sexualmente ativos, esse índice despencava para apenas 50% entre as mulheres. O cenário animador é que essa disparidade diminuiu significativamente na última década: uma segunda edição da mesma pesquisa, com dados colhidos em 2016, mostrou que 66,7% delas passaram a fazer sexo aos 60 anos ou mais. No caso dos homens, a taxa também aumentou, chegando a 92,5%.
O estudo é da psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Ela destaca que, embora a primeira conclusão a partir dos dados seja de que mais idosos, em geral, estão fazendo sexo, “as grandes mudanças nesses números são femininas".
— A geração que está hoje na terceira idade é pioneira em muitos aspectos, consequentemente não poderia ser diferente no aspecto sexual. É uma geração que viveu uma sexualidade mais livre, porque a pílula permitiu o planejamento familiar. É uma geração em que a mulher começou a trabalhar fora e ganhou uma percepção diferente da existência e do envelhecimento — analisa a especialista.
Carmita aposta que, quando realizar a terceira edição da pesquisa, planejada para daqui a oito ou dez anos, a mudança nos números será radical.
— Trata-se de uma alteração de paradigma: cada vez menos, a mulher fica constrangida diante das mudanças do próprio corpo e cada vez menos ela sente vergonha de fazer sexo após os 60 anos. Entre outros motivos, essa idade não é mais vista como fim da vida — diz ela.
Regina Navarro Lins, que é sexóloga, psicanalista e escritora, faz coro com Carmita. Na visão dela, essas mulheres são fruto de uma revolução sexual:
— Nunca houve um período tão bom para o amor e para o sexo quanto hoje, sem dúvida. Durante muito tempo, a mulher de 40 tinha que “pendurar as chuteiras". Hoje não é mais assim.
O dia a dia da carioca Elma Izai é retrato disso: o sexo regular com o marido é cultivado como fonte de prazer para ambos. E ela não é daquelas que abaixa o tom de voz para falar “sexo”.
— A relação sexual é tão importante quanto o café da manhã que tomamos juntos ou a TV a que assistimos abraçados — diz Elma, que também é psicóloga.
DIFERENÇA BIOLÓGICA ENTRE HOMENS E MULHERES
Regina explica que, pelo fato de a mulher engravidar e o homem, não, concluiu-se historicamente que para eles sexo é prazer, e, para elas, simplesmente um meio de ter filhos. Por isso, a repressão da sexualidade feminina foi muito grande ao longo da História.
— Até os anos 1950, houve uma infinidade de estudos pseudocientíficos mostrando que a mulher não era capaz de sentir prazer. As mulheres foram ensinadas que só o homem gosta de sexo, e muitas interiorizaram isso. Até a década de 50, a mulher tinha que ser inerte na cama, não podia mostrar que tirava daquilo algum prazer. A finalidade, para ela, deveria ser apenas reprodutiva — diz ela.
Além da construção social, há uma marcante diferença biológica entre homens e mulheres quando se fala em longevidade das relações sexuais. Enquanto a produção hormonal do homem é mantida sem grandes alterações ao longo de toda a vida — a partir dos 40 anos, ele perde só 1% da sua testosterona anualmente —, a mulher enfrenta uma queda súbita de seus estrógenos por volta dos 50, quando passa pela menopausa. Isso faz com que a libido dela, em geral, diminua. Também cai a lubrificação da vagina, o que torna a relação sexual mais dolorosa.
CREMES VAGINAIS E REPOSIÇÃO HORMONAL
Entretanto, isso não pode ser considerado uma “sentença” para que elas deixem de fazer sexo, ressalta Carmita Abdo. Assim como existe o implante peniano, o Viagra e outros medicamentos para contornar o principal problema dos homens mais velhos — a disfunção erétil —, para as mulheres existe a reposição hormonal e uma série de cremes que ajudam a aumentar a lubrificação vaginal.
— É um erro encarar a menopausa como o fim do sexo — pontua a psiquiatra. — Hoje, as mulheres têm mais recursos para fazer sexo sem sentir dor.
Para isso, no entanto, é importante que haja uma maior liberdade entre médicos e pacientes para que tal assunto surja. Numa consulta, por exemplo, somente 15% das mulheres a partir dos 50 anos de idade tomam a iniciativa de falar sobre a prática de relações sexuais e o que fazer para melhorá-las. Este é um dado também da mais recente edição da pesquisa conduzida por Carmita Abdo. O que chama ainda mais atenção é que, quando perguntadas se gostariam que o médico puxasse esse assunto, dois terços delas responderam que sim.
Já para os homens, a situação é um pouco mais “natural”: de acordo com o estudo, eles costumam ir a uma consulta pretensamente de rotina e deixam para o final as perguntas sobre sexo. A pesquisa mostra que metade dos homens com mais de 50 anos toma a iniciativa de falar sobre o assunto com o médico. A outra metade não o faz, mas usa medicamentos por conta própria, já que eles são vendidos sem receita — ao contrário da reposição hormonal para as mulheres, que precisa do aval de um profissional.
O geriatra Yung Castro, professor da Faculdade de Medicina da Unigranrio, também observa no dia a dia do consultório que, embora desde jovem a mulher vá mais vezes ao médico e se cuide melhor do que o homem, é ele quem mais procura profissionais de saúde para sobre sexo.
— Muitos homens idosos chegam à consulta dizendo que estão com uma namorada nova e não querem mostrar impotência. A relação do homem com sua genitália é uma relação de poder. Ele não quer ter uma ereção mediana, porque assim se sente menos homem. Ele quer ter ereção completa. O homem fica viúvo, mas continua interessado em sexo. Já entre as mulheres, embora isso tenha mudado nos últimos anos, com a revolução feminista, ainda existe muito a ideia de que sexo só vale se for reprodutivo ou com amor. Sexo pelo sexo, simplesmente porque é algo bom, não — afirma ele.
O médico diz se esforçar para trazer esse assunto à tona nas consultas. Às vezes, encontra resistência dos próprios pacientes.
— Não abordar o tema do sexo com o paciente é não ter uma avaliação completa dessa pessoa, porque isso impacta muito na qualidade de vida — comenta Castro.
BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE
E como impacta. A Sociedade Brasileira de Geriatria confirma que idosos que fazem sexo têm menos risco de sofrer de depressão, graças a uma maior liberação de endorfina durante as relações sexuais. Essa mesma endorfina é responsável por oxigenar os órgãos, o que melhora o funcionamento deles. Há, ainda, estudos científicos mostrando que o sexo satisfatório contribui para a neurogênese, que é a formação de novos neurônios. Nesse aspecto, o sexo teria o efeito contrário ao da depressão, que destrói as células nervosas.
Segundo Yung Castro, não há limite de idade estabelecido para fazer sexo. Ele aponta que isso é definido, individualmente, por três barreiras: a social, a hormonal e a mecânica. Esta última se dá geralmente por dificuldade de mobilidade, em decorrência de doenças. Porém, para ele, a barreira mais difícil de transpor é a social, porque afeta a maneira de pensar:
— A libido começa no cérebro. É o fator mais limitante — avalia o médico.
Há também certas variações culturais que dependem do país onde os idosos moram. Os índices de sexo entre pessoas mais velhas no Brasil, por exemplo, são bem superiores aos de nações anglo-saxãs do Hemisfério Norte, como os Estados Unidos. Um estudo americano publicado em maio deste ano mostra que, por lá, a taxa de pessoas sexualmente ativas entre 65 e 80 anos é de 40%. A Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Saudável, feita pela Universidade de Michigan, não faz distinção entre homens e mulheres neste dado, mas revela que 18% da população entrevistada do sexo masculino e apenas 3% do feminino afirmam que tomaram medicamentos ou suplementos para melhorar a função sexual nos últimos dois anos.