O Estado de São Paulo
E agora? A União foi condenada pela Justiça Federal (Estado,
14/5) a definir o orçamento para implantação imediata do depósito final de
rejeitos radioativos das usinas de Angra dos Reis (RJ), onde, desde1982, eles
estão sendo colocados em piscinas dentro das próprias geradoras. E intimou
porque esses rejeitos "representam sérios riscos para a população". Alega a
Eletronuclear que "tem controle total da gestão dos rejeitos", com "guarda
segura até 2020". Mas outras informações (O Globo, 15/5) dizem que a
usina Angra 2 começará a ser desligada em 2017, por causa da "saturação" dos
depósitos provisórios; Angra 1 poderá ter o mesmo destino em 2018. As usinas não
poderiam operar - diz uma condicionante - sem resolver a questão dos resíduos. E
já há alguns anos se informava que havia 3 mil toneladas de rejeitos depositadas
em dois galpões. Como se fará com o projeto de Angra 3?
Estranho que possa parecer, há poucos dias (7/5) a Comissão de Minas e
Energia da Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei n.º 4.709/04, que
proibiria a construção de mais usinas nucleares até ser instalado um depósito
definitivo para resíduos perigosos. O parecer do deputado Fernando Ferro (PT-PE)
foi de que nem a França tem depósito definitivo para esses rejeitos. Então... E
a proposta de construir usinas nucleares no Nordeste prevê uma delas em
Itacuruba (PE), com deposição dos rejeitos nucleares no Raso da Catarina,
santuário ecológico do Semiárido. O hidrogeólogo José P. Tomaz de Albuquerque
diz que, erguida nessa bacia sedimentar, a usina verterá águas contaminadas para
os Rios Vaza Barris e São Francisco (Rema, 14/5).
De onde virão recursos para atender à exigência da Justiça? Uma unidade de
armazenamento de rejeitos na área das usinas de Angra deverá, segundo estudos,
custar R$ 577 milhões - mas não se sabe em quanto tempo poderá ser implantada.
Um depósito final de rejeitos significará mais R$ 261 milhões, em área que a
Companhia Nacional de Energia Nuclear (CNEN) está estudando. Haverá tempo? E que
se fará, se o Plano Nacional de Energia prevê continuar contando com os 3.500 MW
gerados em Angra 1 e 2 e mais 4 mil MW de outras usinas nucleares (Luiz Gonzaga
Bertelli, Correio Braziliense, 2/5)? Para complicar ainda mais, um laboratório
francês (Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre Radioatividade)
certificou (assmpg, 13/5) haver identificado "altas taxas de radiação gama" no
ar e contaminação no solo por metais radiativos em área de mineração de urânio
das Indústrias Nucleares do Brasil no distrito de Maniaçu, em Caetité (BA). Os
materiais extraídos ali abastecem as usinas de Angra.
Precisamos olhar com cuidado. Os russos ainda estão implantando, quase 30
anos depois, um depósito para receber em 2017 materiais radiativos da acidentada
usina de Chernobyl (The New York Times, 27/4). Custará US$ 1,5 bilhão e poderá
funcionar durante um século. O Japão, porém, voltou atrás em sua decisão de
renunciar à energia nuclear após o desastre com a usina de Fukushima -
alegadamente por causa dos altos custos de importação de combustíveis fósseis. E
desistiu também do compromisso de reduzir em 25% suas emissões de poluentes
(tomando por base 1990). Já gastou na área da usina US$ 36 bilhões e a radiação
ali continua três vezes mais alta que a de antes do acidente.
Resíduos de toda espécie - não apenas nucleares - tornam-se um problema cada
vez maior e mais difícil, inclusive no Brasil. Agora mesmo a Prefeitura de São
Paulo está anunciando que espera (Folha de S.Paulo, 10/5) reduzir para 20% do
volume de hoje os resíduos que são encaminhados para aterro. Atualmente são
98,2% do total. E quase metade das 20 mil toneladas diárias coletadas é de
resíduos sólidos. Também deveria pensar em compostar os 51% de resíduos
orgânicos que coleta e transformá-los em adubos para certos fins, o que
permitiria economizar muito aterro. Mas nada se ouve sobre isso.
São Paulo não é exceção. Nos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
este ano já não deveríamos ter mais lixões. Mas pelo menos 2 mil deles ainda
funcionam, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (O Globo, 6/5). Até em
capitais como o Distrito Federal (área de 1,7 milhão de metros quadrados, onde
atuam 2 mil catadores), Belém e Porto Velho. No Estado do Rio de Janeiro, 22
lixões, com 6,5% do lixo total dali. E os lixões recebem, no mínimo, 40% do lixo
total do País.
Situação particularmente difícil é a de resíduos da construção civil, o
chamado "entulho", que equivale a, no mínimo, 50%, talvez 70%, dos resíduos
sólidos urbanos. Na média nacional, seria meia tonelada anual por habitante
(Página 22, 29/3/2012). Em Salvador chegam a 60% do total; em Goiânia, a 55%; no
Distrito Federal, a 50%. É área que se complica a cada dia, inclusive por causa
da obsolescência de padrões e materiais de construção. Em muitos lugares, estes
últimos já não resistem aos chamados eventos extremos na área do clima.
Construções vêm abaixo, apresentam rachaduras, até mesmo em áreas "nobres", como
aconteceu recentemente na Rua Barão da Torre, em Ipanema, no Rio.
Há quem pense que o caminho está na incineração do lixo, embora especialistas
mostrem que é um desperdício, um processo muito caro (com temperaturas acima de
900 graus Celsius, para evitar a emissão de dioxinas e furanos, cancerígenos) e
com dependência eterna de lixo. A questão das dioxinas e dos furanos, por
exemplo, já está em questão em Délhi, na Índia, onde um comitê do Centro de
Poluição acusou níveis dos dois elementos 30 vezes acima dos limites permitidos
por lei na incineração de 1950 toneladas diárias.
Não faltam motivos para atribulações, vindas até de áreas surpreendentes. No
Canadá, por exemplo, estudos de especialistas (Tyler Hamilton, 13/5) dizem que
sob o solo da América do Norte estão 800 mil quilômetros de oleodutos
desativados, que resíduos podem ser condutos para contaminantes. Outros
especialistas dizem que tudo pode ser reaproveitado. Quem se habilita?