Como o ornitorrinco, a economia brasileira é uma aparente aberração, formada
pela surpreendente combinação de baixo desemprego, indústria estagnada,
crescimento econômico pífio e inflação muito alta pelos padrões internacionais.
Apesar de improvável, esse conjunto é tão real quanto o mais estranho dos
mamíferos - um bicho ovíparo, com bico de pato, patas com membranas, rabo de
castor e grande capacidade de movimentação na água. Diferença principal: no
ornitorrinco, o conjunto funciona. No Brasil, a soma daqueles componentes
resulta na síndrome de uma economia em muito mau estado.
Na retórica da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe econômica, a
história é muito diferente. O baixo desemprego - aquele indicado pela pesquisa
mensal em seis regiões metropolitanas - é apontado como prova do sucesso da
política econômica. Examinados com um pouco mais de atenção, os fatos se revelam
muito menos positivos.
Em abril, o desemprego ficou em 4,9% nas seis áreas cobertas pela pesquisa
tradicional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa
taxa, uma das mais baixas do mundo, foi ligeiramente inferior à de março, 5%, e
bem menor que a de um ano antes, 5,8%. A massa de renda real dos ocupados
diminuiu 0,5% de março para abril, mas ainda foi 3,6% maior que a de abril de
2013. O aumento da massa de renda real, somado à expansão do crédito, sustentou
durante anos um bom volume de consumo.
Mas o quadro do emprego é surpreendente por mais de uma razão. Uma delas é o
baixo ritmo de crescimento da economia. Outro detalhe intrigante é a escassa
criação de empregos observada já há algum tempo. Em relação a março a população
ocupada nas seis áreas metropolitanas aumentou apenas 0,1%, com a criação de 17
mil postos de trabalho. A mesma variação, de 0,1%, ocorreu em relação a abril do
ano passado. Como a população em idade ativa continuou em crescimento e a
proporção de desocupados diminuiu, a parcela dos inativos deve ter aumentado. Os
inativos - 19,19 milhões em abril - foram 0,6% mais numerosos que em março. Em
relação a um ano antes, a expansão foi de 4,2%.
Há um cenário de estabilidade na ocupação, comentou a especialista Adriana
Araújo Beringuy, da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE. A taxa de
desemprego, explicou, caiu porque houve redução das pessoas em busca de
trabalho, sem ter havido geração significativa de postos de trabalho.
O encolhimento da população ativa e, portanto, do pessoal em busca de emprego
tem sido observado há algum tempo. Especialistas têm proposto várias
explicações, como aumento da renda familiar, menor presença de mulheres, jovens
e idosos no mercado e também mudanças na dinâmica demográfica.
Mas há outros componentes importantes, e muito menos positivos, na
recomposição desse mercado. A perda de qualidade do emprego é um dado cada vez
mais evidente. Entre março e abril foram eliminados 69 mil postos na indústria.
O pessoal ocupado no setor diminuiu 1,9% de um mês para outro e ficou 2% abaixo
do total computado em abril de 2013. Além disso, em abril houve corte de 0,9% na
construção. Em um ano a redução do pessoal empregado chegou a 3,1%.
A criação de postos ocorreu no comércio, nos empregos domésticos e em várias
outras categorias de serviços, privados e públicos. Movimento parecido foi
revelado pela nova atualização do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), do Ministério do Trabalho. O saldo líquido de empregos formais em abril
- 105,3 mil em todo o País - foi o menor desde 1999. Além disso, o emprego
industrial diminuiu tanto em relação a março quanto em relação a abril do ano
anterior.
A deterioração da qualidade do emprego está obviamente associada à estagnação
da indústria. Além disso, a criação de postos tem dependido, principalmente, dos
serviços e dos estímulos ao consumo. Sem crescimento industrial e com as
exportações muito fracas, também os serviços e o varejo começam a perder
impulso, como indicaram as últimas pesquisas do IBGE. Desmorona o modelo em
vigor nos últimos anos.