sexta-feira, 30 de maio de 2014

"A casa da crise", por Luiz Garcia

O Globo
 
 
Na arquibancada, o pessoal sabe apenas que problemas existem, porque eles batem na sua porta e reclamam pedaços cada vez maiores de seus magros rendimentos
 
 
Como saiu no jornal, a economia do país começou o ano com os dois pés no freio. Para quem entende disso — o grupo de sábios que dominam essa área cheia de penhascos e precipícios —, o Produto Interno Bruto (ou seja, o conjunto de números que mostram o que o país produziu em bens e serviços) deverá ficar entre uma queda de 0,1% e uma alta de 0,3% no primeiro trimestre de 2014, em relação ao trimestre anterior.

Para a turma da arquibancada entender melhor: é um resultado pior do que tivemos nos últimos meses do ano passado. De quem é a culpa, partindo-se do princípio de que ela não pertence inteiramente aos gurus econômicos do governo?

Os especialistas que não trabalham para ele acusam o governo de cometer um grave erro estratégico: os gurus do Planalto estariam tentando incentivar a demanda — quando a gente está cansada de saber (ou simplesmente alega que está) que as dificuldades moram no lado da oferta. Traduzindo: numa baixa produtividade, que, por sua vez, seria resultado de um erro do governo, que concentrou esforços estimulando a procura de bens, quando o verdadeiro problema estaria na oferta. Segundo o pessoal que entende disso (e não trabalha para o Planalto), a pobre oferta sofre as consequências da baixa produtividade do país. Um problema que, pelo visto, é ignorado pelo pessoal do governo.

Portanto, a crise teria nascido mesmo na miopia oficial.

Na já mencionada arquibancada, o pessoal sabe apenas que problemas existem, porque eles batem na sua porta e reclamam pedaços cada vez maiores de seus magros rendimentos. E, na área habitada pelos sábios que entendem de economia e não servem ao Planalto, há espaço para uma dose de perplexidade: com a produção em queda, a inflação costuma baixar — e isso não está acontecendo.

Fora do governo, alguns especialistas afirmam, obviamente, que as coisas podem melhorar se o governo partir, com uma mistura de audácia e bom senso, para uma política de reformas na política econômica. Parece óbvio e sensato — mas é importante não esquecer que essa previsão parte da constatação de que bom senso e audácia ainda não moram no Palácio do Planalto.