domingo, 22 de abril de 2018

"Um sequestro para não se esquecer", por Artur Xexéo

O Globo

Em 1976, Entebbe tinha cerca de 100 mil habitantes e estava longe de ser a cidade mais importante de Uganda. Este título, ela tinha perdido desde 1962, quando a capital do país foi transferida para Kampala. Mesmo assim, continuava se destacando por uma razão muito simples: era nela que ficava o único aeroporto do país. Para minha geração, Entebbe sempre foi uma cidade marcante. Por um único motivo: foi ali, exatamente num terminal desativado do aeroporto, que se compôs o cenário de um dos atos terroristas — e a reação a ele — mais espetaculares até então. Entebbe, durante sete dias, foi o centro do mundo.

Tudo começou no dia 27 de junho, quando um voo da Air France saiu de Tel Aviv com destino a Paris e cerca de 150 passageiros a bordo (os números variam, de acordo com a fonte de consulta). Na escala prevista em Atenas, quatro terroristas subiram a bordo. 

Naquele tempo, era fácil entrar num avião carregando metralhadoras, pistolas e granadas na bagagem de mão. Foi assim que dois integrantes das Células Revolucionárias, reunião de grupos terroristas da Alemanha, e dois membros da Frente Popular pela Libertação da Palestina embarcaram e, menos de meia hora após a decolagem, sequestraram a aeronave e desviaram o voo para Entebbe, com nova escala em Bengasi, na Líbia. Uganda foi escolhida porque os terroristas acreditavam — e eles estavam certos — que receberiam a cumplicidade de Idi Amin Dada, o ditador do país na época. O objetivo era trocar os passageiros, feitos reféns, por 53 terroristas presos, a maioria em Israel.

O sequestro terminou no dia 4 de julho quando uma operação organizada pelas Forças de Defesa de Israel invadiu o aeroporto, matou todos os sequestradores e resgatou 102 reféns (os passageiros não judeus já tinham sido liberados). Um único oficial israelense e quatro passageiros morreram durante a operação, até hoje considerada uma das mais perfeitas ações antiterrorismo de todos os tempos.

O assunto sempre despertou a atenção do cinema. Pelo menos quatro filmes já foram realizados reproduzindo aqueles sete dias em 1976. Naquele mesmo ano, os americanos produziram dois deles: “Resgate fantástico”, que trazia Peter Finch como Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro de Israel no período, e Charles Bronson na pele do general Dan Shomron, o comandante da operação; e “Vitória em Entebbe”, com Anthony Hopkins como Rabin e Elizabeth Taylor vivendo uma das sequestradas. Em Israel também foram feitos dois:, “Operação Thunderbolt”, de 1977, que recebeu uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro; e, no ano 2000, o documentário “Operation Thunderbolt: Entebbe”. Depois de tanto tempo e tantos filmes, há ainda algo a se contar? O brasileiro José Padilha acha que sim e dirigiu “7 dias em Entebbe”, produção britânica que pretende ser o filme definitivo sobre o episódio.

Padilha partiu de um ponto de vista original. Pela primeira vez, o cinema dá voz a todos os lados envolvidos no caso, inclusive o do terrorismo. Os protagonistas são os alemães, interpretados por Rosamund Pike e Daniel Brühl. É a partir do ponto de vista deles que grande parte do filme é contada. Há um conflito entre os dois. Ela é durona, sempre pronta para matar. Ele é mais compreensivo, tenta facilitar a vida dos reféns. No filme, ele é contra uma das ações mais polêmicas do sequestro, quando os reféns judeus são colocados numa sala diferente da dos outros passageiros. Padilha expõe também a justificativa para os atos dos palestinos. Eles ainda entram em conflito com os alemães. Os objetivos são os mesmos, mas as ideologias se diferem. Numa outra linha de narrativa, o filme acompanha as reuniões de gabinete em Tel Aviv. Aqui, um novo conflito se estabelece. Rabin quer negociar, Shimon Peres, o ministro da Defesa, quer partir para o ataque.

Há ainda uma terceira linha que segue um jovem soldado israelense convocado para o ataque. Ele tem uma namorada em Tel Aviv que faz parte de uma companhia de dança. Isso é só pretexto para Padilha pontilhar sua narrativa com cenas da coreografia que ela ensaia. Todas aparentemente ligadas à tensão de um ataque terrorista. Ou não. O que isso tem a ver com o filme? Nada! Só atrapalha.

Outra questão mal resolvida é a dos diálogos. São simplistas como uma letra de canção sertaneja moderna. Se precisa que um personagem mostre que aderiu ao terrorismo para abrir a cabeça da população mundial, ele bota o personagem dizendo que aderiu “ao terrorismo para abrir a cabeça da população mundial”. Se precisa mostrar que Rabin acredita no diálogo para chegar à paz, ele bota Rabin dizendo que acredita “no diálogo para chegar à paz”. É desanimador.

Superando-se estes obstáculos, “7 dias em Entebbe” mostra-se um bom filme de ação que mantém o espectador atento o tempo inteiro. Nisso, Padilha continua mostrando que é mestre.
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Como todo mundo sabe, “Paris é uma festa”, de Ernest Hemingway, é um livro de memórias e não um romance, como foi escrito aqui na semana passada. Colunista burro!