domingo, 22 de abril de 2018

"Alegrias, tristezas", por Danuza Leão

O Globo

O mundo é dividido entre os que adoram uma data para festejar e os que não querem nem ouvir falar


O mundo é dividido entre os que adoram uma data para festejar, homenagear, comemorar, e os que não querem nem ouvir falar. Eu faço parte da segunda turma. Enquanto a primeira curte celebrar os aniversários, os Natais, fazem com prazer a lista dos presentes, compram as comidas natalinas, e têm o prazer de ver a família reunida, eu prefiro ficar só, tomando uma Coca-Cola. Invejo essas pessoas e sinto culpa diante dos meus filhos e netos, por nunca terem tido em casa um Natal de verdade, e por nunca ter sido, e continuar não sendo, a mãe que dizem que se deve ser. Mas está acima das minhas forças.

No meu aniversário me escondo, se puder viajo, e se alguém me disser parabéns sou capaz de ter uma coisa. E se percebo que lá vem o “parabéns pra você”, mesmo num filme na TV, troco de canal.

Mas existem ocasiões das quais não se escapa. O casamento de um filho ou de um neto, por exemplo; como não há como evitar, entro no clima, mas durante a festa mais observo do que participo. E reflito sobre quantas pessoas ali são fruto de um casamento tão simples, como foi o meu.

Da última vez, eram 15. Inacreditável.Todos nos abraçamos, nos beijamos, brindamos, nos emocionamos, mas depois que me vejo em casa, sozinha, vem uma enorme tristeza. Uma tristeza que dura dias, semanas. Mais do que uma tristeza, quase uma depressão. Penso, penso, lembro como estavam todos felizes, e não sei por que estou tão mal. E não dá para compartilhar essa tristeza com ninguém. Você sofre, e sofre só.

Mas da última vez, de tanto pensar, acho que entendi. Numa reunião familiar, por mais que eu finja estar alegre por estarmos todos reunidos, a presença maior é a dos ausentes. Os que deviam estar lá e não estão, e mesmo que não esteja pensando, é essa ausência que me faz ficar triste. Alegria e tristeza juntas não dão certo, e as lágrimas, inevitáveis, vêm mais da tristeza do que da emoção de ver um dos nossos se casando, começando uma vida, ainda cheio de tantas ilusões. Tantas.

Quando eu era criança nunca houve em nossa casa uma só comemoração de aniversário, uma só reunião familiar, uma árvore de Natal – era o jeito dos meus pais. “Datas, o que são datas?”, dizia meu pai. Como ele tinha razão. No meu casamento compareceram apenas minha mãe, meu pai, minha irmã, o noivo, claro, e dois amigos que ele levou ao cartório. 

Me casei com uma saia xadrez e um suéter, e não houve bolo, champagne nem lua de mel. 

Para mim isso me pareceu — e ainda parece — absolutamente natural, e nada me fez falta.

Mas outros casamentos vão vir, e a cada vez essa tristeza vai se repetir. E como eu sei a razão pela qual não gosto — e evito — as reuniões familiares, sei também que não é porque sou diferente, apenas me protejo de um sofrimento que é inevitável.

Hoje já me sinto livre para, nas famosas datas, tomar um avião e ir para bem longe, sem culpa, porque evitar o sofrimento é recomendável, e pode ser usado sem nenhuma moderação.

Se não for possível, não atender o telefone e um bom comprimido para dormir, tarja preta, também resolve.

Quase.