"Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade” (Efésios 6:12).
Assim como algumas culturas são “melhores” do que outras, algumas concepções ditas “religiosas” também o são. Que quero dizer aqui com “melhores”? Ora, simplesmente que algumas culturas, valores, instituições, etc, vêm em benefício da humanidade em geral, ou, ainda, do “bem comum”, assegurando nossa prosperidade material e, mesmo, “espiritual”. E isso não apenas para aqueles que creem e reconhecem tal fato: mesmo seus descontentes colhem as benesses desses valores, dessas instituições, etc.
Abordei isso, por exemplo, aqui:
Portanto, como mesmo alguns ateus reconhecem, a cultura cristã pavimentou o caminho para nossa prosperidade civilizacional, seja do ponto de vista teórico (na medida em que cultura cristã promoveu, por exemplo, a revolução científica) seja do ponto de vista moral, cultural, etc.
Assim sendo, de uma perspectiva moral mandamentos como “não roubar”, “não mentir”, “não matar”, “não causar dano”, “guardar a castidade”, etc, são justificáveis mesmo para sujeitos ateus ou agnósticos. Façam uma espécie de “experimento de pensamento” e imaginem um mundo sem tais freios morais. Ora, se tais freios não tivessem sido consolidados institucionalmente, muito provavelmente ou teríamos sido extintos ou estaríamos vivendo em mundos distópicos, como aqueles descritos em ficções, como a dos filmes da franquia “Mad Max”.
Isso porque existem, inclusive, razões evolutivas para a consolidação das virtudes (‘justiça’, ‘fortaleza’, ‘temperança’, ‘sabedoria prática’, ‘fé’, ‘esperança’, ‘caridade’, etc) e de instituições como família “natural”, como bem se apercebeu C.S. Lewis em “A Abolição do Homem” (1943), algo corroborado, também, em estudos recentes na área da antropologia evolutiva, como em “Shared Virtue: The Convergence of Valued Human Strengths Across Culture and History” (“Review of General Psychology”).
Desse modo, consideremos, agora, o seguinte: se o cristianismo assoalhou o caminho para nossa riqueza civilizacional, então o que aconteceria se tal pilar fosse destruído?
A resposta parece óbvia, não? Ou seja, teríamos a ruína civilizacional.
Com efeito, como tenho escrito reiteradamente em diversos outros textos aqui no JCO e na revista ‘A Verdade’, há em curso uma guerra contra a civilização, especialmente se considerarmos que o que se deseja eliminar são justamente os pilares civilizacionais, como família “natural” (homem, mulher, em uma relação de continuidade e exclusividade, com os filhos oriundos dessa relação), religião (especialmente o Cristianismo), propriedade privada, livre iniciativa, distinção entre os sexos, etc.
Observem que o foco do ataque dos bárbaros tem sido, insistentemente, esses, digamos, “alvos”. E isso vem ocorrendo por décadas, com crescente brutalidade, sobretudo contra a família “natural” e o Cristianismo.
Mas, nos perguntemos: por que essa ojeriza contra tais instituições?
Ora, em grande parte isso ocorre porque a família “natural” e o Cristianismo são, muito provavelmente, as últimas barreiras que impedem o avanço de uma agenda inumana (pois viola a ‘dignidade da pessoa humana’, estabelecendo uma espécie de hierarquia segundo a qual alguns indivíduos são indignos de viver) e totalmente hostil ao Cristianismo e àquilo que ele representa, a qual é, muitas vezes, subsumida à ideia de uma “nova ordem mundial”, mas que pode ser chamada, também, de satanismo, luciferianismo, etc.
Ou seja, se trata de uma clara oposição a tudo aquilo que o Cristianismo representa, isto é, uma reprodução da famosa frase de Lúcifer em sua manifestação de desobediência (e consequente queda): “Non serviam”. “Não servirei”.
De qualquer forma, o que eu gostaria de conjecturar aqui é o possível elemento, digamos, “metafísico”, por detrás desses ataques. Ou: estamos lutando contra ‘potestades’ e ‘principados’?
Nesse sentido, não deixa de ser interessante lembrar, aqui, do caso ocorrido com o Papa Leão XIII, possivelmente entre 1884 e 1886 (segundo Kevin Symonds, no livro “Pope Leo XIII and the Prayer to Saint Michael”, de 2015). De acordo com testemunhos e documentos, nessa ocasião o Papa Leão XIII teve uma visão terrível, a partir da qual ele elaborou, em 1886, a famosa oração a São Miguel Arcanjo, a qual ele demandou que fosse feita sempre após a Santa Missa desde então, algo que se deixou de lado posteriormente.
Em sua visão ele teria testemunhado diversos espíritos demoníacos reunidos em Roma, os quais estariam conversando com Jesus. Nesse diálogo satanás estaria dizendo que poderia destruir a Igreja de Cristo, mas que para tanto precisaria de um tempo, bem como teria que oferecer mais poder aos seus vassalos na terra. Jesus, aceitando o desafio, teria dito, então: “você tem o tempo, você terá o poder. Faça com eles o que você quiser”.
Curiosamente, ao longo do século XX acompanhamos um crescente enfraquecimento planejado de diversos fundamentos morais de nossa civilização. Sobretudo desde os anos 1960 temos visto uma degeneração de valores como ‘verdade’ (em prol do relativismo epistêmico – notem que nesse momento até a matemática está sendo relativizada, afirmando-se que a busca por respostas exatas em matemática é uma expressão de supremacia branca), ‘beleza’ (em proveito da feiura, do bizarro e hediondo), ‘moralmente correto’ (em favor do relativismo hedonista), ‘justiça’ (em nome do interesse de alguns), ‘família “natural”’ (se considerando que qualquer ajuntamento é uma família), ‘amor’ (em defesa de um sentimentalismo torpe e vulgar), etc.
E, claro, o Cristianismo é, nesse ínterim, um obstáculo, pois defende justamente os valores (morais absolutos) referidos acima, dentre outros.
Na verdade, o Cristianismo é o elo de ligação que não apenas nos oferece um sentido, mas que também assegura a coesão comunitária (fraternidade), bem como nossa plena realização humana (eudaimonia), ainda que não nos apercebamos disso, como ocorre com ateus e agnósticos, os quais, embora não creiam no aspecto metafísico do Cristianismo, usufruem de seus frutos concretos.
Assim, o que acompanhamos, ao longo de mais de um século desde a visão de Leão XIII, é o avanço de uma perspectiva satanista, luciferiana, a qual se entranhou em nossa cultura em todos os seu âmbitos e está corrompendo, e fazendo colapsar, nossas instituições, nossos valores fundamentais, talvez de forma irreversível.
E, para tanto, aqueles que, conscientemente ou não, servem como vassalos de satanás nesse mundo do qual ele é senhor, estão usando de uma estratégia que se enquadra na chamada “janela de Overton”. Ou seja, estão gradualmente inserindo na cultura elementos que, aos poucos, vão sendo aceitos e, mesmo, considerados “normais”.
No âmbito moral foi assim com o sexo pré-marital e com avanço da promiscuidade exacerbada, com a dissolução do matrimônio, com o abandono dos filhos, com a banalização do sexo não reprodutivo, com a glamourização da drogadição, da criminalidade, da vulgaridade, da estupidez, da feiura, etc.
Quanto à religião em particular, a partir de meados do século XX religiões de jaez diabólico (luciferiano) e anticristão ascenderam rapidamente, desde a ‘Thelema’, de Aleister Crowley, passando pela ‘Igreja de Satã’, de Anton LaVey, até o mais recente ‘Templo Satânico’ (fundado em 2012, nos USA), as quais têm deixado sua influência talvez irreversível em nossa cultura e, consequentemente, em nossas vidas.
O ‘Templo Satânico’, por exemplo, tem crescido e avançado por diversas cidades ao longo dos últimos anos, agregando, nesse momento, mais de 50 mil membros. Aliás, ele não se limita a uma religião, mas é, também e, talvez, sobretudo, um grupo de ativismo político, pois atua fortemente na política e no plano judiciário para impor, por esses meios, a ideologia satânica à cultura e aos costumes.
Em verdade, o ‘Templo Satânico’ usa de argumentos religiosos (liberdade religiosa) para impor suas práticas abomináveis, como, por exemplo, o sacrifício humano mediante o aborto. Segundo a ‘Organização Mundial da Saúde’ ocorrem, no mundo, em torno de 50 milhões de abortos por ano (sendo, pois, a maior causa de morte no mundo). E aqui podemos nos perguntar: não são tais homicídios sacrifícios similares àqueles que no passado eram oferecidos, por exemplo, a Moloque?
Eis que aqui entra uma informação relevante sobre isso. Nos últimos anos ganhou destaque as manifestações públicas de Zachary King, um ex adepto e “mago” do satanismo que se converteu, em 2008, ao Catolicismo, revelando, após sua conversão, quais eram as práticas nas quais ele esteve, por décadas, envolvido. Uma dessas práticas era justamente o sacrifício de crianças mediante o aborto.
Segundo seus relatos, ele participou de quase duzentos abortos, muitos deles ocorridos em clínicas, em que a criança morta (imolada) era “oferecida” a satanás. Em alguns casos o feto era devorado assim que trucidado e arrancado do ventre materno, em atos hediondos de canibalismo (cometidos inclusive pelas mães). De acordo com Zachary King, cujos relatos são aterradores, essa é uma prática comum em grupos satanistas.
E eis que agora começa a ser demandado, mediante intervenções judiciais e políticas, o “direito” de se sacrificar crianças, em abortos, em virtude da “liberdade religiosa”. Sim, o ‘Templo Satânico’ está insistentemente levando a efeito essa exigência nos USA.
Eles pretendem, mediante a ideia de “liberdade religiosa”, “normalizar” o sacrifício de crianças não nascidas a satanás como parte da “liberdade religiosa”. Ou seja, aquela barbárie que já ocorria em segredo, como revelado por Zachary King, agora se pretende tornar “normal”, isto é, uma prática “religiosa” equiparável à comunhão em uma Santa Missa.
Portanto, já não há como negar: o satanismo está entranhado em nossa cultura e, em grande medida, absorvido pela mentalidade de parte considerável das pessoas, que julgam “normal” e aceitável” práticas outrora repugnantes moralmente. Já não surpreende assistirmos “intelectuais” sugerindo a “normalização” da pedofilia, do canibalismo, do incesto, da poligamia, etc. Tudo isso está dentro de uma longa rede causal, a qual ganhou força com a “revolução sexual” e suas colateralidades, como a banalização do divórcio e a consequente dissolução familiar, a defesa do sexo não reprodutivo em suas várias formas, etc. Hoje há pessoas inclusive desejando “casar” com animais.
Aliás, atualmente há, inclusive, pessoas que se julgam animais e exigem serem tratadas desse modo (embora eu duvide que elas busquem assistência de um veterinário quando adoecem). Casos que no passado as pessoas entendiam como patológicos e carentes de internação e tratamento hoje são considerados “normais” por muitos.
Em suma, não chegamos ao atual estado abjeto “da noite para o dia”. São décadas de decadência.
Assim, ao longo dessas últimas décadas a degenerescência que temos acompanhado, na cultura, na educação, nos costumes, na mídia, na política, no judiciário, etc, revelam uma rede causal iniciada há muito tempo, de tal forma que, se hoje não há reações robustas contra as exigências do ‘Templo Satânico’, isso só é possível em virtude de termos sido dessensibilizados ao longo das gerações que nos precederam.
Aquilo que causaria, inclusive, revolta há, digamos, uma década, hoje já não surpreende. Fomos dessensibilizados para essa barbárie, assim como já não julgamos abominável a promiscuidade, a drogadição, etc, explícitas ao nosso redor.
Ou seja, o satanismo está enraizado em nossa cultura e em nós mesmos. Quando nos aperceberemos disso e reagiremos? Quando buscaremos pela nossa salvação em um mundo já perdido para o inimigo?
Carlos Adriano Ferraz
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). É professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
Jornal da Cidade