sexta-feira, 30 de abril de 2021

Luiz Philippe de Orleans e Bragança: o Brasil e o mundo sob a ótica da direita

Monarquista fala sobre recall para políticos, papel do Judiciário e como instituições supranacionais planejam violar a soberania dos Estados-nações





Luiz Philippe de Orleans e Bragança é integrante da Casa Imperial Brasileira, descendente dos imperadores dom Pedro I e dom Pedro II. Como não poderia deixar de ser, é entusiasta do regime monárquico, instaurado no Brasil em 1822 e estendido até 15 de novembro de 1889 — dia em que militares do Exército, liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca, perpetraram um golpe de Estado. Segundo o cientista político, o levante republicano legou ao Brasil mais de um século de instabilidade. “Houve um retrocesso gigantesco. Na época do Império, havia independência dos Poderes, liberdade de imprensa e alternância de governos”, argumenta.

Com o objetivo de resgatar os valores da monarquia, Orleans e Bragança resolveu ingressar na política. O carioca de 52 anos estreou nas eleições gerais de 2018 filiado ao PSL, consagrando-se deputado federal pelo Estado de São Paulo com pouco mais de 118 mil votos. LP, como também é conhecido, divide seu tempo atuando como parlamentar e também como escritor — é autor de dois livros: Por Que o Brasil É um País Atrasado? Antes Que Apaguem, da Maquinaria Editorial. É sobre a última obra, a propósito, que o parlamentar conversou com a Revista Oeste.

Por que o senhor decidiu escrever Antes Que Apaguem?

Por duas razões principais: a primeira, dar sequência ao ativismo que sempre terei com relação ao Brasil e à cidadania brasileira. No livro, há um alerta a respeito do cerceamento das nossas liberdades fundamentais, apontando de onde vêm os riscos. O segundo motivo é poder registrar todos os pensamentos que tenho exposto nas mídias sociais — muitas vezes em artigos, mas na maioria das vezes por meio de tuítes. A obra é inovadora nesse aspecto: transfere o pensamento por meio dos tuítes, mas sem ter de explicar muito. No entanto, o leitor perceberá a fundamentação por trás das ideias, que não estão explícitas nos tuítes. Para os temas que requeiram aprofundamento, há artigos mais elaborados.

Na introdução do livro, o senhor trata da sanha controladora das big techs, alegando que elas agem como censoras de governos e instituições nacionais. Como isso ocorre?

As big techs se transformaram num cartel não só de fluxo de informação, mas também de manipulação de opinião. Esse cartel tem um viés totalmente controlador, não liberalizador, em que opiniões individuais não têm espaço. Cabe reforçar a agenda das big techs: é uma agenda compartilhada. Embora cada uma das empresas exerça a censura de maneira independente, há sempre um viés ideológico bem nítido em comum — e esse é um dos alertas que o livro faz. As big techs comprometem uma civilização considerada livre, em que há liberdade de expressão, ao limitar as percepções, a linguagem, as ideias, os pensamentos e os raciocínios das pessoas. Nós temos de alertar sobre a existência desses tentáculos de controle que tentam nos aprisionar e comandar.

Após as eleições municipais de 2020, vencidas por candidatos supostamente de direita, o senhor perguntou: “Será que essa suposta ‘direita’ defende a família, a redução de gastos e de impostos, o patrimônio histórico, a livre-iniciativa e a luta contra a corrupção?”. Hoje, o senhor tem essa resposta?

Muitos se consideram de direita. No entanto, sobretudo os representantes políticos abraçam conceitos da esquerda. O aprofundamento da ideologia conservadora ainda não está bem estabelecido; não existem pensadores de diversos segmentos alimentando e dando mais luz a essa ideia. Hoje, o que existe de predominância são evoluções do marxismo — seja marxismo cultural, econômico, ou mesmo revolucionário. Isso tem sido o status quo, criado ao longo do século 20, que tem enviesado os novos representantes da direita. Estes continuam usando jargões, votando em projetos nitidamente de esquerda. Apesar de eles se dizerem conservadores ou liberais, a profundidade de conhecimento não está bem enraizada. Então, há uma conveniência do momento: a sociedade se posiciona contra o socialismo e o progressismo, mas os políticos não sabem bem como representar essas ideias e fazer frente às ideologias de esquerda, que estão muito bem organizadas e fundamentadas. Fica, aqui, a crítica à direita que surgiu no Brasil.

No primeiro capítulo do novo livro, o senhor avalia vantagens e desvantagens de o presidente Bolsonaro aproximar-se do Centrão. Quais são os potenciais benefícios e os possíveis malefícios dessa aliança?

O benefício, esperamos, é que o presidente Jair Bolsonaro possa pautar seu plano de governo — coisa que ainda não vimos, visto os ataques e interferências diretas do Judiciário. Também não vimos o plano ser pautado pelo Legislativo, que, em 2019, rejeitou todos os projetos do governo federal. Já em 2020, com a aproximação do Poder Executivo ao Centrão, houve neutralização das forças contrárias ao governo. No entanto, também há malefícios. O Centrão é fisiológico, não tem ideologia definida. Isso significa que absorve qualquer ideologia predominante. Busca o comando da máquina pública, o controle de fundos e repasses, nomeações para cargos de comando. Então, a vontade corruptora ainda existe, e a facilidade de corrupção, da mesma forma. O combate à corrupção deve ser travado contra esses políticos que querem o comando da máquina pública, porque é daí que surgem os grandes esquemas de distorções de alocações do erário. Nós temos orçamentos bilionários e trilionários sob o comando de pessoas que não têm, necessariamente, a prioridade de servir à população, mas sim a si próprias e a seus amigos, colegas e oligarquias que as ajudaram nas eleições. Por um lado, Jair Bolsonaro terá governabilidade maior; por outro, sofrerá com possíveis escândalos advindos desses grupos que comandavam esquemas de corrupção anteriormente.

Em Antes Que Apaguem, o senhor dedica um capítulo inteiro ao ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. De que maneira o Judiciário interfere em decisões de outros Poderes?

Há um grande erro na Constituição Federal de 1988, que é dar plenos poderes ao Judiciário. Ele interfere não apenas no Executivo, negando ações que são prerrogativas constitucionais desse Poder, mas também viola a Constituição, reescrevendo-a ad hoc, em tempo real, para satisfazer suas vocações interventoras. Intervenções também são feitas no Legislativo, em que o Judiciário proclama a existência de uma série de pautas a ser discutidas, mas, quando esses temas não são debatidos, o Supremo determina que o Executivo é quem deve promover a legislação considerada adequada. Se deputados e senadores entendem que não há necessidade de discussão de alguns temas, o Judiciário deve respeitar. No entanto, há essa interferência. O Judiciário, hoje, tem viés comunista; então, os ministros entendem o ativismo judicial como uma ferramenta essencial na ação política. Como os magistrados foram nomeados, e não eleitos, pensam que podem agir de acordo com os poderes que lhes foram auferidos pela Constituição Federal — embora eles não respeitem, minimamente, a Carta. Temos um Poder a ser reestruturado, mas o próprio Supremo Tribunal Federal não está liderando a reforma. Então, ela tem de vir do Legislativo.

“Todas as democracias com Estado de direito avançado confiam que a sociedade pode revogar o mandato de políticos”

No livro, o senhor critica assiduamente a conduta do governo chinês na gestão da pandemia de covid-19, alegando que os erros cometidos pelo Partido Comunista Chinês geraram consequências nefastas no mundo inteiro. Quais foram os erros mais graves cometidos por Xi Jinping?

O pior dos erros foi não ter notificado, com antecedência, a Organização Mundial da Saúde e a comunidade internacional sobre o que realmente estava acontecendo na China — pode-se dizer que houve omissão de informações do regime chinês. Então, podemos especular se isso faz parte de uma estratégia de ataque internacional, que visa à liberalização de um vírus que vá gerar toda sorte de consequência nefasta à saúde e à economia no mundo. Sabemos que o Partido Comunista Chinês tinha poder de nomear o líder da OMS, e essa entidade exerce influência na maioria dos países do Ocidente, mas nem tanto nos países do Oriente — é curioso, isso. Ao nomearem um líder para a Organização Mundial da Saúde, os chineses fizeram praticamente o que todo trotskista adora ver: infiltração nas instituições. Penso que a sociedade deve discutir a respeito das possíveis origens da covid-19 com mais abertura, embora as big techs estejam cerceando as opiniões até mesmo de cientistas que não pensam de acordo com a OMS. Há censura do levantamento de dúvida com relação ao novo coronavírus, e penso que o governo chinês pode estar envolvido nisso, sim.

Em Antes Que Apaguem, o senhor defende o recall — um dispositivo que permite a revogação de mandato de representantes políticos. Quais são as vantagens dessa medida?

Esse mecanismo é fundamental para que se estabeleça mais representatividade do eleito para com o eleitorado. O modelo brasileiro, da maneira como é constituído, é suscetível a se tornar tirânico, porque pressupõe que o Estado tenha comando e possibilidade de interferência em todos aspectos de nossa vida. Com tanto poder assim, precisamos de um contrapeso. O único freio da Constituição é o impeachment, mas é um recurso extremamente limitado. Todas as democracias do mundo, com Estado de direito bem avançado, confiam que a sociedade pode revogar o mandato de políticos. No Brasil, entretanto, os cidadãos não têm direito ao recall. Nós sabemos que o processo jurídico para fazer um impeachment ou impugnação de mandato é moroso — quando o político está municiado de advogados e juízes, é difícil levar esses processos adiante, visto que os próprios agentes do Estado estão em conluio para perpetuação do poder de algum candidato político. O recall de mandato, por sua vez, cria uma válvula de escape para a sociedade. Como não temos esse mecanismo no Brasil, gera-se toda sorte de desconfiança em relação ao sistema político. Temos um distanciamento cada vez maior entre a sociedade e o sistema político — e isso é um grande fator desestabilizador. Com o recall de mandato, há um reforço para a legitimidade do sistema, uma vez que a sociedade pode intervir de maneira mais direta.

No livro, o senhor também trata das distinções entre a Constituição brasileira e a Constituição norte-americana. Quais as principais diferenças?

Há inúmeras diferenças, mas uma delas é fundamental e está na base da composição constitucional. A Constituição norte-americana surge para limitar os poderes estabelecidos, com o pressuposto de que eles devem ser exercidos o mais próximo possível da sociedade — essa, sim, é que tem poder, de fato, e permite as concentrações de poder acima dela. Ao mesmo tempo em que a sociedade permite o estabelecimento desses poderes, ela também revoga. Então, o alicerce principal da Constituição norte-americana é o princípio de subsidiariedade, em que os poderes são subsidiários à vontade popular. Esse é o principal alicerce da Constituição dos Estados Unidos. A Carta brasileira não tem esse princípio como prioridade. A nossa Constituição é feita como um Estado Social, em que o Estado se avoca uma série de obrigações para entregar toda sorte de benefício que a sociedade poderia, por si própria, prover. No entanto, o Estado, no Brasil, é o grande propulsor, agente, interventor, controlador de toda a nossa evolução — política, social e econômica. Ao contrário, um Estado subsidiário não determina nada disso. O governo norte-americano simplesmente protege as liberdades individuais, o território, a diplomacia. Ele faz, somente, o que a sociedade não consegue fazer.

O senhor dedica um capítulo à imprensa. Como vê a relação entre governos e veículos de comunicação?

Governos financiam muitos veículos de mídia, não só em nível federal, mas em nível local. Há canais subsidiários, imprensa, jornais e rádios que são comandados por meio de dinheiro público. Essa dinâmica tem de cessar. Os governos não podem interferir nisso. O desafio da mídia é ser relevante para a sociedade, mas por conta própria.

Como avalia o cenário político latino-americano?

Os países latino-americanos têm um problema em comum: são presidencialistas, centralistas, de Estado Social. A exceção é o Chile, cuja Constituição, mais recente, transformou o país. A Carta, a propósito, é uma das razões de o Chile ter o mais elevado Índice de Desenvolvimento Humano da América Latina. No entanto, o país ainda tem modelo presidencialista, centralizador — e o resultado disso é alta instabilidade. Todas as nações presidencialistas têm IDH baixo, ao contrário de países com Parlamento no comando do governo — os Estados Unidos são a única exceção. Então, se não sairmos dessa dinâmica no Brasil, estaremos sempre no lodaçal da instabilidade política.

O que é o fenômeno do globalismo?

O globalismo é um movimento ideológico, político. Não é, necessariamente, um governo central — apesar de que o próprio movimento pressuponha a criação de um governo mundial. Existem vários agentes adeptos dessa ideia que agem de forma independente, mas com agenda muito clara não apenas de controle, mas de influência, abraçando pautas e modelos econômicos para o fomento de uma realidade não calcada nos Estados-nações. O globalismo rompe com a cidadania vinculada à nação. Quer criar uma massa de controle. Quando você desvincula o cidadão de seu território, de sua Constituição, de seus poderes estabelecidos, quando as pautas internacionais são mais importantes que as pautas locais, você vê a ação do globalismo no desvirtuamento do poder do cidadão. O indivíduo se torna menos autônomo quando organizações supranacionais definem quais são os problemas a ser tratados.

O globalismo ameaça a soberania do Brasil?

O Brasil tem problemas gravíssimos com relação ao globalismo. É muito fácil agentes supranacionais entrarem no país e cooptarem políticos e empresários por meio de corrupção e linhas de crédito e financiamento de agentes econômicos. A sociedade é controlada por meio da mídia. Também há a censura das mídias sociais. Então, é fácil criar um movimento globalista, com impactos significativos, na gestão de um país. O globalismo promove subversão dos sistemas locais, com clara lógica marxista comum de tomada de poder. O marxismo, o comunismo e o socialismo nunca funcionaram nas nações; então, o globalismo é uma tentativa de fazer essas ideias prosperarem em nível supranacional. Esse será o grande combate da nossa geração. Há uma nova dinâmica política no mundo: não temos apenas rivalidades com países, mas também com poderes supranacionais e com seus agentes. Trazer esclarecimento acerca desse conflito, quais são as armas, os objetivos — essa é a missão do livro Antes Que Apaguem.

Edilson SalgueiroRevista Oeste