Pouco mais de três anos depois do plebiscito em que 52% dos britânicos decidiram rasgar o mapa da União Europeia, o Reino Unido começa fevereiro oficialmente fora do clube. E sem os badalos do Big Ben, porque o relógio que marca momentos históricos está em reforma e o Parlamento não aprovou a verba de meio milhão de libras necessária para reativá-lo somente para o anúncio do Brexit. A decisão, tantas vezes protelada, é uma vitória do atual morador do número 10 de Downing Street, o primeiro-ministro Boris Johnson — que, com a pompa e a circunstância meio arranhadas pelos cabelos revoltos, apôs, na sexta-feira 24, sua assinatura no acordo formal de saída. Políticos do contra levantaram recursos para espetar nos célebres rochedos de Dover, de frente para o continente, uma imensa faixa com uma frase em tom de aceno, entre a esperança e o desespero: “Continuamos a amar a União Europeia”.
A semana encerrou-se, portanto, com uma decisão que fará parte das enciclopédias, capítulo decisivo das relações internacionais — ressalve-se, contudo, que no terreno das coisas práticas, as que realmente importam, quase nada vai mudar no relacionamento do Reino Unido com o bloco europeu. A circulação de mercadorias, o livre trânsito dos cidadãos, as regulamentações da indústria, o sistema financeiro — tudo seguirá como vem sendo nos últimos 47 anos (o Reino Unido entrou na então Comunidade Europeia, igualmente dividido, em 1º de janeiro de 1973) enquanto representantes das duas partes discutem, ao longo de 2020, os detalhes da separação. Boris Johnson tem pressa e quer firmar logo os acordos comerciais bilaterais que fizeram brilhar os olhos dos britânicos cansados de dissabores econômicos durante a campanha pelo Brexit. Mas a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, jogou água na fervura: “O cronograma projetado é irreal”. No cabo de guerra econômico, a corda pende para a União Europeia. “A saída do Reino Unido faz surgir um novo concorrente para nós, junto com China e Estados Unidos”, avisou a chanceler alemã Angela Merkel no fim de 2019, antecipando o tom das negociações. “A UE possui uma equipe mais experiente e unificada e o Reino Unido precisa de acordos para evitar uma crise econômica”, diz John Fitz Gibbon, analista político da Boston College. “Ou seja, as perspectivas são a favor do bloco.”
Na arena política, a concretização do Brexit pode dar novo fôlego aos eurocéticos que, empunhando a bandeira do nacionalismo, conquistaram votos e ampliaram sua presença nos parlamentos da Europa. Mas a onda direitista já foi mais forte e o doloroso processo de separação do Reino Unido, que paralisou e dilacerou o país, deixou claro que sair da UE não é passaporte direto para uma situação mais vantajosa no cenário internacional. “A direita radical percebeu a mudança no eleitorado e está moderando suas posições”, diz Duncan McDonnell, da Universidade de Griffith, em Brisbane, e autor de International Populism: The Radical Right in the European Parliament (Populismo internacional: a direita radical no Parlamento Europeu). “O mais provável é que, em vez de defenderem a saída da UE, os nacionalistas tentem influenciar cada vez mais as decisões dentro do bloco”, acredita McDonnell. A nova Europa, pós-Brexit, começa agora a ser desenhada.
Ernesto Neves, Veja