domingo, 29 de julho de 2018

Mulheres, com indecisão recorde e em maioria, vão definir a eleição


Claudia de Paula Moreira, moradora de Duque de Caxias, trabalha como promotora de eventos e ainda não escolheu seu candidato a presidente - Ana Branco / Agência O Globo


A mais indefinida corrida eleitoral desde a redemocratização terá seu desenlace quando o enorme contingente que ainda não escolheu o seu candidato aderir a um dos postulantes ao Planalto. Por enquanto, as pesquisas ajudam a clarear quem são — e o que querem — os indecisos. É na população feminina que se concentrará essa disputa. Maioria (52,5%) dos eleitores, as mulheres são também as mais indecisas e resistentes em escolher o próximo (ou próxima) presidente: nada menos que 80% não têm qualquer candidato (54% indecisas e 26% declararam voto branco ou nulo), segundo pesquisa Datafolha de junho, com resposta espontânea. Entre os homens, esse índice é de 58%. Nas últimas quatro eleições, nesta época do ano, esta taxa nunca foi tão alta entre as mulheres, tendo variado entre os 49% de indecisas em 2006 e os 72% em 2014.


No eleitorado masculino, saúde liderou, mas com 35% das respostas. Na pergunta sobre o principal problema do país, saúde liderou as respostas entre as mulheres (19%), mas, entre os homens, a corrupção ficou em primeiro (21%).

A demora das mulheres em encontrar o candidato pode ser resultado também da dissonância entre o que elas querem e o que lhes é oferecido. O GLOBO enviou perguntas sobre como atrair o eleitorado indeciso feminino aos cinco pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas (à exceção do ex-presidente Lula, que está preso). A área de saúde praticamente não foi citada como parte das propostas.

TENDÊNCIAS ANTECIPADAS

Nos cenários estimulados, com os nomes dos candidatos, 41% das mulheres seguem sem um escolhido, ante 25% dos homens. Em números absolutos, são 25,5 milhões de eleitoras declarando pretender votar nulo, branco ou "em ninguém". Além dessas, outras 6,1 milhões estão indecisas — contra 1,5 milhão de homens nessa situação, uma proporção de quatro para um. Fatia mais do que suficiente para decidir a eleição. Em 2014, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves por 3,4 milhões de votos.

O GLOBO ouviu dez eleitoras indecisas em cinco estados na última semana. Além de seus depoimentos, a análise de especialistas em pesquisas e eleições facilita entender por que há diferenças marcantes de gênero no comportamento eleitoral. A condição de usuária mais frequente dos serviços públicos, incluindo a saúde, sobretudo se há crianças sob seus cuidados, explica a preocupação das mulheres em relação à área, aponta a socióloga Fátima Pacheco Jordão. Segundo ela, especialista em comunicação política com ênfase em gênero, a necessidade da mulher em debater a “vida real” faz com que ela só comece a se envolver na eleição a partir da propaganda de rádio e TV.

É na comunicação da massa, explica Fátima, que os problemas do cotidiano são debatidos pelas campanhas. Com isso, a proporção de indecisas diminui ao longo da corrida, mas permanece superior à dos homens até as vésperas da votação:

—De 65% a 75% dos indecisos ou que declaram o não voto, nos últimos dois ou três dias antes do segundo turno, são mulheres. Por isso, são elas que decidem as eleições. E os estrategistas sabem disso: na reta final, intensificam a linguagem com o código feminino. A inflação é tratada no contexto do consumo de alimento, grávidas ganham espaço na propaganda.

Diretor do Datafolha, Mauro Paulino diz que os números corroboram essa avaliação e formula uma noca explicação para a saúde ser mais citada por elas.

— As mulheres têm assumido papel de protagonismo na elaboração do voto pelos homens. A tendência do voto feminino acaba se reproduzindo depois, nas pesquisas seguintes ou na eleição — explica Paulino. — A saúde aparecer à frente não surpreende. Um problema de saúde, especialmente em famílias mais pobres, para quem o atendimento é pior, frequentemente é algo grave, pode morrer alguém. É algo que fica muito marcado na pessoa, mais do que ter sofrido assalto ou perdido emprego.

A cientista política Hannah Maruci, do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP, destaca que as ações voltadas para as necessidades femininas são as primeiras a serem sacrificadas nos cortes orçamentários, o que poderia explicar o descontentamento das mulheres com o cenário atual. O rebaixamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que perdeu status de ministério, é simbólico:

—Elas sentem o peso maior da crise e do desemprego. É quando a violência, inclusive doméstica, aumenta.

O QUE PROPÕEM OS PRESIDENCIÁVEIS

Jair Bolsonaro (PSL) vê seu desempenho cair de 26% entre os homens para 12% entre as mulheres no cenário sem Lula. Ele acredita que as mulheres "têm sensibilidade maior que a dos homens", o que explicaria a decisão do voto por último, e diz que sua candidatura deve ir bem nesse segmento pois representa melhor os "valores familiares e de segurança".

Marina Silva (Rede), que tem a preferência de 17% das mulheres e de 12% dos homens, diz querer aumentar a participação feminina nas “decisões de governo”. Citou como propostas a ampliação de creches; políticas de empreendedorismo comunitário; e fortalecimento do combate à violência contra a mulher.

Ciro Gomes (PDT), que cai de 12% entre os homens para 8% entre as mulheres, promete formar um ministério "50% feminino". O pedetista planeja revogar o item da reforma trabalhista que permite o trabalho de gestantes em ambientes insalubres, ampliar número de creches, combater desigualdade salarial e melhorar a “atenção à saúde da mulher”. A assessoria do candidato deu como exemplo de problemas a demora em se ter diagnóstico de câncer de mama na rede pública.

Geraldo Alckmin (PSDB) — com iguais 7% entre homens e mulheres — defende "ampliação da participação da mulher no mercado de trabalho, nas eleições e em espaços políticos". E promete trabalhar por "ações que assegurem isonomia de remuneração no serviço púbico e na iniciativa privada". Alvaro Dias (Podemos) varia de 5% entre os homens para 4% no eleitorado feminino e quer “implantar políticas para eliminar desvantagens da mulher” e "monitorar leis de proteção".

Miguel Caballero e Renata Mariz, O Globo