quarta-feira, 11 de julho de 2018

Monica De Bolle: "O Afeganistão de Trump"

Artigo presciente de Adam Posen, presidente do Peterson Institute for International Economics, onde trabalho aqui em Washington, descreveu em março a guerra comercial então apenas anunciada como o provável “Afeganistão de Trump”. Apenas para lembrar aos leitores, a má pensada guerra no Afeganistão que resultou dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 teve efeitos desastrosos para a popularidade do então presidente George W. Bush. A popularidade geral de Trump, no momento, não é lá essas coisas. Contudo, o presidente americano tem sido capaz de manter a coesão de sua base de eleitores e o fervor que ainda leva multidões aos eventos que Trump gosta de fazer nos Estados e cidades onde obteve mais votos. O problema é que após diversas batalhas iniciais, os EUA estão agora engajados em plena guerra com boa parte do mundo, sobretudo com seus principais parceiros. Os maiores danos colaterais da guerra comercial deverão recair justamente nas localidades que mais apoiaram Trump em 2016.
Após tantos anúncios e medidas, vale uma retrospectiva. A primeira batalha do governo Trump veio com as sobretaxas a máquinas de lavar e painéis solares – a maior parte importada da China – anunciadas em janeiro deste ano. A retaliação chinesa veio em fevereiro, quando o governo do país asiático adotou tarifas temporárias sobre as compras de sorgo dos EUA – a China está entre os maiores compradores de sorgo produzido nos EUA. As tarifas de sorgo foram suspensas em maio, quando EUA e China começaram negociações para tentar resolver suas divergências. 
A segunda batalha foi deslanchada em 8 de março, quando os EUA alegaram motivos de segurança nacional para impor tarifas sobre o aço e o alumínio importados do resto do mundo. Alguns países, como o Brasil, conseguiram se esquivar das sobretaxas aceitando a imposição de cotas sobre os volumes que poderiam vender para os EUA. Evidentemente, os produtores e exportadores de aço brasileiro não ficaram satisfeitos com a ação unilateral do governo Trump. Outros grandes exportadores de aço e principais parceiros comerciais dos EUA – Canadá, México, União Europeia – receberam inicialmente isenções temporárias mais longas do que o Brasil. 
A China, entretanto, retaliou no início de abril, impondo tarifas sobre diversos produtos agrícolas, inclusive o sorgo. Em junho, o governo americano decidiu extinguir as isenções temporárias para Canadá, México e União Europeia, e as tarifas entraram em pleno vigor. A UE retaliou no fim de junho com a imposição de tarifas sobre diversos produtos, inclusive sobre as icônicas motocicletas Harley-Davidson, empresa que em seguida anunciou a retirada de parte de suas fábricas dos EUA. O Canadá retaliou no dia 1.º deste mês – a lista de produtos com sobretaxas inclui, também, diversos produtos agrícolas. 
A terceira batalha de Trump é a atual guerra com a China, cujas tarifas e contratarifas entraram em vigor na sexta-feira passada. Desta vez, a lista de retaliações da China foi bem além do sorgo para incluir a soja e vários outros produtos.
Em comum, as retaliações do Canadá, da União Europeia e da China têm como alvo bens agrícolas e produtos cuja característica principal é a de que são produzidos em regiões onde está boa parte do eleitorado de Trump. Embora não tenha havido nenhuma combinação prévia entre esses países, a coordenação indireta era esperada, já que tem por objetivo abalar o alicerce político de Trump. Em conjunto, os países que estão respondendo às medidas de Trump com armas equivalentes representam cerca de 60% do mercado para o qual os EUA vendem soja, carne suína, sorgo, frutas, cereais, motocicletas, e por aí vai. Ou seja, para os produtores americanos não existe a possibilidade de compensar as perdas nesses mercados voltando-se para outras partes do mundo.
A quarta batalha da guerra de Trump, anunciada, mas ainda não combatida, são as possíveis sobretaxas para automóveis por razões também de segurança nacional. O relatório recomendando tais tarifas deverá ser publicado antes das eleições legislativas de novembro. Caso entrem em vigor, a resposta dos parceiros deverá ser igualmente veemente. O setor privado americano está crescentemente assustado, as instituições que representam produtores agrícolas também. Por ora, a economia americana ainda não sentiu os efeitos da guerra. Mas eles inevitavelmente haverão de aparecer. E, quando isso ocorrer, teremos o Afeganistão de Donald Trump.
DIRETORA DO PROGRAMA DE ESTUDOS LATINO AMERICANOS E MERCADOS EMERGENTES, SAIS | UNIVERSIDADE DE JOHNS HOPKINS E PESQUISADORA SÊNIOR DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS
O Estado de São Paulo