domingo, 15 de julho de 2018

Como o lema da Revolução ajudou a França a conquistar a Copa

MOSCOU - Dentre os diversos adjetivos que se pode dar a uma conquista de Copa do Mundo, um dos mais comuns, e até por isso verdadeiro, é o de histórico. Afinal, não é lá muito fácil superar todas os países da Fifa, e, uma vez a cada quatro anos, segurar todo o planeta em suas mãos. Curiosamente, as duas nações que chegaram à final têm História para contar. A trajetória da formação de seus estados, um mais velho, outro bem jovem, envolve luta, feito um caminho até uma final de Mundial. Se a dura batalha para se separar da Iugoslávia e orgulho de seu país inspiraram os croatas – a bandeira da torcida no início do jogo dizia “Um coração. Uma força. Croácia meu país –, foram os ideais de uma Revolução do século XVII que ajudaram a França a vencer por 4 a 2 e conquistar a Copa, justamente de 2018.

Um dia depois do aniversário da Queda da Bastilha, a liberdade, a igualdade, e a fraternidade foram representadas nos noventa minutos de partida em Moscou. Um jogo agitado, controverso, com momentos inesquecíveis, feito a História. No fim, o sucesso francês na capital russa, coisa que nem Napoleão Bonaparte conseguiu.

Liberdade foi o que a França deu à Croácia nos primeiros 15 minutos de partida. Sem a bola, a seleção de Didier Deschamps via os croatas se imporem no campo e na arquibancada. "Hrvatska" era como o lado direito do estádio, totalmente tomado de camisas quadriculadas, empurrava seus guerreiros rumo à Bastilha do adversário, guarnecida por Varane e Umtiti. "Croácia" foi o grito que surgiu no lado esquerdo, acima da concentração francesa: eram brasileiros, dezenas deles, que haviam adotado a seleção croata como sua no ato final da Copa.

Tudo se mostrou, no entanto, um jogo de cena - a postura defensiva é só aquela estratégia clássica dos livros de História, de um passo atrás para dar dois à frente. Falta, inexistente na entrada da área, salto para a História de Mandzuikic, o primeiro gol contra em finais de Copa. França um a zero.

A igualdade, segunda palavra do lema, é simples. Chegou ao placar com o gol croata, brigador como a História do leste europeu. Perisic, em boa jogada com Vida, deu números iguais e a impressão que tudo seria mais difícil do que foi.

Antes de chegar à fraternidade, porém, a lição que não existem linhas retas em qualquer curso histórico - que nós, brasileiros, sabemos bem. Também a conhecem croatas e franceses. A polêmica faz parte de qualquer caminho, e ela chegou em Moscou em forma de tecnologia. O VAR precisou marcar o pênalti, que existiu, após toque de mão de Perisic. Griezmann cobrou com a maestria de quem toma o poder: 2 a 1.
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O terceiro gol da França é a tradução da fraternidade em campo. Um time recheado de jovens estrelas, muitas vezes acusadas de estrelismo e individualismo, pecados mortais para quem quer fazer história, na política ou no futebol, mas trocaram passes até o objetivo final. As três maiores delas, primeiro Mbappé, depois Griezmann, e por fim o chute de Pogba, construíram o caminho do gol que ampliou a vantagem. Não é difícil não se emocionar com a ideia de fraternidade gerada por um gol construído por uma representação de uma França moderna: um negro, que toca para um branco, que rola para o muçulmano marcar.

Um povo que já sofreu o que sofreu, feito os croatas, nunca desistiria. E isso ficou claro quando Manduzkic, azarado no início pelo gol contra, acreditou na própria sorte ao correr na direção de Lloris, o goleiro francês, que fazia cera com a bola em jogo diante da arquibancada tomada de croatas. Lloris quis driblar Mandzukic. Mandzukic quis aquele gol de honra, diante de sua torcida, como poucas vezes quis algo na vida. A bola encontrou o fundo da rede, com justiça.

Só que aquele gol valia mais pela honra - também importante em qualquer coisa que se fique para a História - do que pelo jogo. Isso porque Mbappé, antes, já havia dado seu ponto derradeiro. Aos 20 minutos do segundo tempo, deixou sua marca numa final de Copa aos 19 anos de idade. Depois, Mandzukic diminuiria para 4 a 2. Mas pouco importava, porque a França já havia escrito seu título. E ao invés de três, foram quatro atos: Liberté, Egalité, Fraternité e Mbappé.