domingo, 10 de junho de 2018

Subsídio ao diesel vai na contramão do que é praticado no mundo


ANP fará consulta pública sobre periodicidade do reajuste dos combustíveis - Paulo Nicolella / Agência O Globo


Danielle Nogueira e Rennan Setti, O Globo


A decisão do governo brasileiro de subsidiar o diesel, atendendo ao pleito dos caminhoneiros para torná-lo mais barato, vai na contramão do que outros países emergentes vêm fazendo. Nos últimos anos, nações como México, Peru, Malásia e Indonésia retiraram ou diminuíram a subvenção a combustíveis e vêm buscando aproximar os preços praticados no mercado doméstico às cotações internacionais.

Especialistas alertam, porém, que o Brasil tem características singulares — como a dependência do transporte rodoviário e o monopólio no refino — e que, por isso, repassar imediatamente as oscilações do petróleo e do câmbio ao consumidor final, como a Petrobras vinha fazendo, não é o melhor modelo.

Eles sugerem que um misto de reajustes periódicos e uma espécie de tributo móvel sobre os combustíveis — cuja alíquota poderia subir ou descer para reduzir o impacto de altas abruptas do petróleo — é o caminho a ser perseguido.

Na América Latina, México e Peru são exemplo de países que cortaram subsídios. A primeira grande mudança no setor petrolífero mexicano ocorreu em 2013, quando foi quebrado o monopólio da Pemex. No ano passado, o país passou a permitir alterações diárias nos preços do diesel e da gasolina, em substituição ao sistema de fixação de tetos regionais de preços. Quando há variações bruscas de câmbio ou do petróleo no mercado internacional, o governo reduz a alíquota do tributo que incide sobre combustíveis, equivalente à brasileira Cide.

Assim, o volume de subsídio caiu de US$ 20 bilhões, em 2008, para US$ 3 bilhões em 2017. O Peru tinha um sistema de banda de preços, mas, em 2011, resolveu liberar o mercado por completo. Foi mantido o subsídio apenas para o gás de cozinha.

— São poucos os países hoje que subsidiam seus combustíveis. Isso costuma acontecer em nações que que vivem da commodity (como nações no Oriente Médio) — disse Edmar de Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ.

A política de preços de combustíveis varia bastante no mundo e depende de fatores que vão desde o nível de competição no refino e a dependência da importação de derivados até o perfil de renda da população. Em países ricos e naqueles onde a concorrência é grande, como nos EUA, a liberdade de preços é uma praxe. Em alguns deles, como Noruega e França, os preços não apenas flutuam, como há também forte tributação sobre os combustíveis fósseis, devido a questões ambientais.

— São países que usam o preço dos combustíveis para fazer política pública, seja para ampliar a arrecadação do governo, seja para fomentar fontes sustentáveis, seja para redistribuir renda (pois quem tem carro acaba pagando tributos que os mais pobres não pagam) — diz Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. 
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No caso brasileiro, o subsídio ao diesel será, na verdade, uma transferência de renda do SUS, do Ministério da Educação e de outras áreas que não costumam ser priorizadas na política pública nacional para uma categoria específica (os caminhoneiros e transportadoras).

O modelo anunciado pelo governo prevê a redução de R$ 0,46 no litro do diesel, dos quais R$ 0,16 serão obtidos via redução de impostos sobre o combustível e os R$ 0,30 restantes virão de cortes em áreas como educação e saúde. O custo dessa conta será de R$ 13,5 bilhões. Além disso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai abrir consulta pública para definir uma regularidade de reajustes nos preços.

Desde junho de 2017, os reajustes da Petrobras, então comandada por Pedro Parente, se tornaram frequentes, podendo ser inclusive diários. Assim, as flutuações do câmbio e da cotação do petróleo no mercado internacional começaram a chegar às bombas com uma frequência e intensidade nunca antes vista, o que acabou culminando com a greve dos caminhoneiros.

PREVISIBILIDADE NAS BOMBAS

Reajustes periódicos existem em alguns países, como os Emirados Árabes, onde os preços variam mensalmente. Para Giovani Loss, do escritório Mattos Filho, a periodicidade do reajuste dá previsibilidade ao consumidor e não representa necessariamente uma interferência na atividade das empresas. Ele também avalia que o governo poderia usar um imposto como a Cide para amortecer variações bruscas do petróleo ou do câmbio. Mas teme que, se criado um fundo de compensações, como existe no Chile, esses recursos possam ser usados para outros fins no futuro.

— O Brasil tem particularidades. Há um monopólio de fato no refino e uma dependência enorme do modal rodoviário. Os reajustes diários podem criar problemas num cenário como esse — afirma Loss.

Roberto dos Santos Carneiro, advogado especializado em óleo e gás do Böing Gleich Advogados, defende que, para atenuar a volatilidade internacional, o país atraia investidores para o refino, ampliando a competição no segmento:

— Ainda temos um monopólio de fato, e a competitividade entre as partes fica altamente comprometida. Abrindo o mercado, você teria mais competição, o que seria bem-vindo para o consumidor.

Na visão de Szklo, deve-se separar o papel da empresa privada e do Estado. As refinarias, diz, são capazes de absorver parte das oscilações do petróleo por meio de gerenciamento de estoques. Segundo ele, é isso o que fazem as grandes petroleiras e mesmo pequenas refinarias independentes no exterior. Causa-lhe estranheza a política da Petrobras de passar as oscilações diárias às distribudoras.

— Não é verdade que a Petrobras não tem capacidade de absorver as oscilações. Ao reajustar o preço dos combustíveis ao sabor do vento, a Petrobras transforma o setor numa feira livre. O capitalismo do petróleo não precisa ser o capitalismo da feira — afirma Szklo.

Já o Estado, afirma o especialista, dispõe de outros recursos para amortecer o impacto das variações do câmbio e do preço do petróleo, como subsídios e calibragem de tributos. 

Assim como Loss, Szklo defende o uso de uma espécie de média móvel de tributos, que pode subir ou descer a partir de gatilhos nos preços do combustível, para assegurar que o ônus não recaia apenas sobre o consumidor.

A política de preços de derivados do petróleo, como diesel e gasolina, varia bastante no mundo, de acordo com fatores que vão desde o nível de competição no refino até a renda média da população. Veja abaixo como funciona essa política em alguns países:


Brasil



Bandeira do Brasil - Divulgação


Em outubro de 2016, o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, há poucos meses no cargo, anunciou que os preços dos combustíveis seriam blindados de interferência política e ganhariam paridade com as cotações internacionais. Nos anos anteriores, o governo controlava os preços da gasolina e do diesel como forma de segurar a inflação. A Petrobras tomou aquela decisão porque, desde 2014, com a cotação do petróleo caindo de US$ 115 para abaixo de US$ 50, a estatal estava vendendo combustíveis mais caros do que os do mercado internacional e vinha perdendo mercado para as rivais, que os importavam por um preço menor. Em junho de 2017, os reajustes passaram a ser mais frequentes, podendo ser até diários. Isso provocou insatisfação entre os caminhoneiros, culminando com a greve. Agora, o governo estuda implementar um modelo de reajustes periódicos e decidiu subsidiar o diesel.

México

Bandeira do México - Divulgação

No fim de 2017, após processo que levou anos e teve episódios traumáticos como o “gasolinazo”, o México passou a permitir mudanças diárias nos preços de combustíveis, tanto na gasolina como no diesel. O modelo substituiu o sistema de fixação de tetos regionais para os preços, no qual o governo bancava a diferença em relação aos preços internacionais. Mesmo com a mudança, a Secretaria da Fazenda e Crédito Público (SHCP, na sigla em espanhol) se compromete a atenuar oscilações abruptas provocadas pelo câmbio e pela flutuação do petróleo no mercado internacional, por meio de estímulos semanais embutidos em um imposto exclusivo sobre combustíveis. Ou seja, ainda há subsídio, porém em escala bem menor. Estima-se que o governo tenha gasto US$ 3,5 bilhões com subsídio para combustíveis em 2017. Volume bem menor que o despendido em 2008, quando só a gasolina foi subsidiada em US$ 20 bilhões.

Peru
Bandeira do Peru - Divulgação
O Peru criou um fundo de estabilização em 2004 para a gasolina e para o gás. O fundo sofreu com a forte valorização do barril de petróleo nos anos seguintes, levando o governo a, em 2008, revisar a metodologia. Decidiu-se que as bandas de variação seriam ajustadas automaticamente de acordo com os preços internacionais. Mas, em 2011, o país resolveu abolir completamente as bandas de preços, permitindo que eles flutuassem inteiramente segundo o mercado. O subsídio só foi mantido para o GLP.

Malásia
Bandeira da Malásia - Divulgação
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a Malásia removeu todos os subsídios à gasolina e ao diesel no fim de 2014. O processo havia começado em 2008, com a valorização do petróleo no mercado internacional. Nos anos seguintes, o governo subiu gradualmente os preços da gasolina, embora ainda usasse alíquotas tributárias e subsídios diretos para atenuar as oscilações ao consumidor final. Hoje, de acordo com a AIE, os preços desses combustíveis são reajustados mensalmente seguindo variações no mercado internacional. Mas a Malásia continua subsidiando o GLP (gás de cozinha). Processo semelhante ocorreu na Indonésia.

Emirados Árabes
Bandeira dos Emirados Árabes - Divulgação
É um dos grandes produtores de petróleo do mundo, mas depende de importações de derivados. O mercado doméstico é dominado por companhias estatais de petróleo, que até 2015 tinham de arcar com a diferença entre os preços de importação e os vendidos no mercado interno. A partir daquele ano, os preços passaram a acompanhar as cotações internacionais, mas os reajustes são mensais. O objetivo do governo foi reduzir os gastos com subsídio, que chegaram a 3% do PIB em 2015, segundo o Fundo Monetário Internacional.
Chile
Bandeira do Chile - Divulgação
Um fundo de estabilização é usado para atenuar a volatilidade dos preços dos combustíveis, uma vez que o país produz pouca quantidade de petróleo. Esse mecanismo mantém os preços até 5% abaixo dos valores de referência, atrelados ao mercado internacional. Vietnã e Turquia também adotam modelos baseados em um colchão — seja via fundos ou tributação móvel — para amortecer as oscilações de preço nos combustíveis.

Estados Unidos
Bandeira dos EUA - Divulgação
É um dos países com maior competição no refino. Eram 141 refinarias em operação no ano passado, segundo estatísticas do Departamento de Energia americano. Há total liberdade de preços. As oscilações da cotação do petróleo internacional são repassadas às distribuidoras, que as transferem aos postos de gasolina. Segundo especialistas, porém, as variações não são necessariamente diárias, pois as empresas usam seus estoques para amortecê-las. Cingapura, Coreia do Sul, Irlanda e Reino Unido também seguem modelo semelhante.

Noruega
Bandeira da Noruega - Divulgação

Há total liberdade de preços. Além disso, o governo taxa fortemente os combustíveis fósseis, com objetivo de estimular o uso de alternativas sustentáveis. Segundo o Ministério de Energia da Noruega, 54% do preço do diesel e 59% da gasolina são impostos. Há três tipos de tributos: um imposto de “rodagem”, um de emissões de CO² e outro de valor adicionado, todos eles federais. Há ainda tributos municipais sobre o diesel em algumas cidades. Tudo isso faz com que o país tenha o segundo maior preço de diesel do mundo, segundo o portal Global Petrol Prices, atrás apenas da Islândia. Canadá e França também estão entre os países que tributam os combustíveis fósseis para inibir seu consumo.