sexta-feira, 29 de junho de 2018

Tempos difíceis para a Embrapa, uma joia do país

A uma distância de uma hora de carro de Brasília, a manada de zebus procura se proteger do calor do cerrado sob as árvores de eucaliptos. A plantação e o gado pertencem ao núcleo regional no cerrado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)em Planaltina, criado para ajudar os pesquisadores a testarem de que forma alternar plantação e pecuária com o fim de transformar áreas de pasto degradadas em campos produtivos. Além de oferecer sombra (e eventualmente madeira) as árvores fornecem nutrientes para o solo e compensam os efeitos do metano, gás de efeito estufa expelido pelos ruminantes. Em 2005 esses chamados “sistemas integrados” cobriam menos do que 2 milhões de hectares e hoje ocupam um espaço de 15 milhões de hectares, 5% de toda área de cultivo do Brasil.
Embrapa
Embrapa desenvolveu sistema de integração de pecuária e plantação de eucalipto Foto: FOTO: EMBRAPA/DIVULGACAO
Mauricio Lopes, diretor da Embrapa desde 2012, cujo mandato deve ser encerado em outubro deste ano, acredita que esse know-how será tão valioso quanto a tecnologia inventada pela empresa nas décadas de 1970 e 1980, que ajudou a transformar o Brasil numa superpotência agrícola.
Fundada em 1973, a empresa vinculada ao Ministério da Agricultura tornou o solo ácido do cerrado mais hospitaleiro para o milho, a soja e o gado e criou espécies de plantação e de gado que conseguem prosperar nesse tipo de clima. Outrora um importador de produtos básicos, hoje o Brasil exporta uma produção equivalente a US$ 96 bilhões por ano (R$ 370 bilhões). A Embrapa calcula que em 2017 rendeu US$ 9 bilhões (R$ 34,6 bilhões) para a economia do País em razão da maior produtividade e menos gastos, mais de dez vezes o seu orçamento.
Mas a empresa enfrenta críticas sem precedentes. Os fazendeiros afirmam que suas pesquisas são irrelevantes para eles. Um grupo de empregados da empresa diz que ela está muito fragmentada e há preocupações de que o governo federal, sem recursos, corte seu orçamento. Ambientalistas reclamam que suas pesquisas permitem aos fazendeiros avançarem para a floresta amazônica.
Lopes considera essas críticas injustas. A produção agrícola continuou a crescer na década passada enquanto o desflorestamento diminuiu, diz ele. (Apesar de que aumentou novamente em dois dos últimos três anos). Os fazendeiros podem comprar menos sacos de sementes com o logo da Embrapa, mas seu know-how faz parte de tudo o que eles fazem, insiste Lopes. 
Mas as críticas estão corretas. Quase 90% da contribuição econômica da Embrapa vêm do trabalho que ela realizou nos seus primeiros 25 anos. Sete áreas de pesquisa, incluindo arroz e grãos, não propiciaram nenhum retorno no ano passado. Em parte porque hoje a Embrapa enfrenta mais competição. Leis promulgadas na década de 1990, incluindo uma que melhorou a proteção da propriedade intelectual, atraíram companhias de agronegócios estrangeiras, como a Bayer e a Syngenta. E elas têm mais dinheiro que a Embrapa para gastar em novas áreas como a de biotecnologia. A Embrapa deveria se concentrar em atividades que aquelas empresas evitam, como os experimentos de integração em Planaltina, diz Blairo Maggi, ministro da Agricultura. Lopes diz que deseja que a Embrapa trabalhe em áreas que as grandes empresas dispensam. A Embrapa tem de ser “mais diversificada, não menos”, financiar a produção de alimentos, desde o açaí, carne e peixe.
O problema não é que ela esteja dando atenção a coisas erradas. Os salários pagos consomem 70% do orçamento; os gastos com equipamentos de laboratório, experiências de campo e outros similares representam apenas 2%. Seus laboratórios praticamente não realizaram nenhum trabalho no campo do mapeamento genético.

Este ano Lopes incorporou 17 unidades administrativas em seis e fechou quatro dos 46 núcleos regionais. Um plano com vistas a uma reformulação ainda maior da empresa e que vazou para a imprensa objetiva uma instituição mais centralizada. Os críticos dizem que esse projeto não resolve as principais deficiências da Embrapa. O sucessor de Lopes precisará conduzir a empresa de modo a integrá-la ao século 21, talvez com a ajuda de algumas cabeças de zebus. 
The Economist - tradução de Terezinha Martino