quinta-feira, 28 de junho de 2018

"Mexicanos vão para a final e apelam a tudo: AMLO ou deixe-o", por Vilma Gryzinski

“O populismo é eterno, como as baratas.”
É difícil encontrar melhor definição para o que está acontecendo no México do que a do jornalista e escritor cubano Carlos Alberto Montaner – que, obviamente, não escreveria coisas assim se ainda estivesse em Cuba.
Numa incrível sobreposição de futebol e política, a segunda tem mais certezas: Andrés Manuel López Obrador será eleito presidente no próximo domingo, segundo as pesquisas em que aparece com vinte pontos de vantagem e num país onde não existe segundo turno.
Chegou a vez de AMLO, como é chamado, numa palavra só, como nome de remédio, depois de “quase” ganhar duas eleições, expondo-se ao ridículo de usar a faixa presidencial e “prestar juramento”, em protesto por diferenças mínimas, num país com desconfiança máxima na sacralidade das urnas.
É como se os mexicanos, exauridos por níveis abissais de crime e corrupção, entregassem os pontos. Já que nenhuma das opções mais ortodoxas deu certo, vamos dar uma chance ao perdedor de sempre.
Os partidos “de sempre” são o PRI e o PAN, irmanados na pilantragem.  São as siglas do Partido Revolucionário Institucional, o magnífico oxímoro inventado para conciliar o país no período pós-revoluções, e do Partido da Ação Nacional, do atual presidente, Enrique Peña Nieto, que foi eleito como o “muñecon”, o boneco, pela estatura e o rostinho bonito, e está saindo com a habitual ficha feia.
Um exemplo, entre um sanguinolento oceano outros, da alucinante violência que devora o México: 130 políticos foram assassinados durante a atual campanha eleitoral, dos quais 48 eram candidatos a algum cargo.
A contagem é do Indicador de Violência Política no México, feito por uma consultoria especializada no ramo.
Ao contrário da comparação com Donald Trump, feita por jornalistas que consideram seus leitores tão preguiçosos quanto eles, AMLO lembra mais o o famoso detento, pelo menos por enquanto, de Curitiba.
Tem a imagem de candidato dos pobres e inimigo da corrupção. É louco por um gasto público, no que se irmana com o nominalmente direitista Peña Nieto, que entrou com dívida pública equivalente a 37,7% do PIB e está deixando 50%.
Como não existe nada que nunca possa ser piorado por um populista latino-americano, AMLO propõe aumentar o salário-desemprego, a bolsa mãe solteira e a jovens nem-nem.
Também quer aumentar os salários nas maquiadoras, as empresas que vivem de produzir produtos mais baratos para o americano, justamente por causa da mão de obra com remuneração menor.
Depois de prometer anular a privatização de setores da estatal petrolífera, pegou mais leve e agora propõe revisão de contratos.
Ao contrário do apenado de Curitiba, ele tem experiência anterior. Foi prefeito da Cidade do México, uma mistura cheia de chili do que há de pior em São Paulo e Rio de Janeiro, e conseguiu reduzir os índices de criminalidade.
Chegou a convocar Rudy Giuliani, famoso pelo método de diminuição da criminalidade que deu certo em Nova York e praticamente em nenhuma outra cidade.
Giuliani agora é da equipe de advogados de Donald Trump, a quem AMLO promete “colocar em seu lugar”. Pode ser o impulso que faltava para que o Congresso libere o muro na fronteira prometido pelo presidente americano.
AMLO é um político simpático, do tipo que adora banho de povo e cultiva a imagem de sujeito comum, quase avuncular, com seus 64 anos e um tipo físico que lembra o uruguaio Pepe Mujica, a quem promete imitar, mantendo o mesmo domicílio depois que for eleito.
É da conhecida linha “la solución soy yo” e propõe uma grandiosa  Quarta Transformação do México, possivelmente inspirado no discurso pela mulher, Beatriz Gutiérrez Müller. Ao contrário do método habitual, ele se casou com a intelectualizada Beatriz depois de ficar viúvo. Têm um filho, ominosamente chamado Jesús Ernesto.
Entre liberais e esquerdistas dos Estados Unidos e Europa, conta com a mesma boa vontade paternalista da qual desfrutava, em em alguns casos continua a desfrutar, que o condenado de Curitiba.
Quem sabe alguma das divindades da riquíssima e complexa história do México resolve dar uma folga e Donald Trump se entende bem com AMLO?
Se existe um lugar onde o impossível pode acontecer, o México é um dos maiores candidatos a ocupar esta posição.
Pois se AMLO não der certo e mais mexicanos resolverem que é melhor tentar a sorte do outro lado da fronteira, a coisa vai ficar feia.
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