Para Kim Jong-un, o sucesso da cúpula de Cingapura é imediato e concreto: o ditador do país mais isolado do mundo apareceu lado a lado com o presidente da maior potência global e se legitimou como estadista no cenário internacional. Também levou de volta a Pyongyang o anúncio de Donald Trump de que os EUA suspenderão exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, aos quais a dinastia Kim sempre se opôs. O presidente americano usou a mesma linguagem do regime ditatorial para descrever os “jogos de guerra” e disse que eles são uma provocação.
Em troca, a Coreia do Norte se comprometeu com a “completa desnuclearização da península coreana”, promessa que o país repete desde 1992. A declaração assinada por Trump e Kim não estabelece prazos para que isso ocorra nem define com precisão o que “denuclearização” significa. Ela é o abandono de todos os mísseis, ogivas e instalações nucleares da Coreia do Norte ou abrange também o fim do escudo nuclear com o qual os EUA protegem a Coreia do Sul e o Japão? E o que acontecerá com os cerca de 80 mil soldados que os EUA mantêm no Japão e na Coreia do Sul? Trump afirmou que eles não são “parte da equação” no momento, mas serão em algum ponto.
O enfraquecimento dos compromissos de defesa dos americanos em relação a seus dois tradicionais aliados na Ásia não agrada apenas à Coreia do Norte. A vizinha e aliada China também ganhará ao ver a eventual redução da presença dos EUA na região em que busca hegemonia.
Antes do encontro histórico, Trump havia repetido que a medida do sucesso seria o compromisso da Coreia do Norte com a denuclearização “completa, verificável e irreversível”, expressão que não aparece na declaração final assinada pelos dois líderes.
Não há dúvida que Trump marcou um gol político em seu encontro com Kim, aprovado por 77% da população, segundo pesquisa da CNN. O presidente também assumiu um risco diplomático e tentou um movimento novo para tentar romper o impasse em torno do programa nuclear norte-coreano.
Nos próximos meses, ele poderá celebrar o esperado comportamento pacífico da Coreia do Norte e apresentá-lo como uma conquista. Kim declarou em janeiro que obteve os objetivos de construir um arsenal nuclear e, semanas mais tarde, anunciou a suspensão de testes nucleares. Mas a conquista da “completa denuclearização” será um processo longo e penoso. Ao fim dele, poucos analistas acreditam que haverá a eliminação de armas nucleares na Coreia do Norte.
Enquanto isso, Kim terá oxigênio para focar em sua nova prioridade: o desenvolvimento econômico do país. Trump anunciou que manterá em vigor as sanções contra o regime até que obtenha a denuclearização. Mas a distensão reduzirá o incentivo e a pressão para que a China faça o mesmo. O próprio presidente americano reconheceu em Cingapura que a fronteira entre os dois vizinhos já não está mais tão fechada quanto antes. A China é responsável por 90% do comércio da Coreia do Norte e detém a chave para o crescimento do país.
Cláudia Trevisan, O Estado de São Paulo