sábado, 16 de junho de 2018

"Olhar brasileiro na Rússia de Putin", por Fernando Gabeira

Momento em que ex-coronel da KGB surgiu na cena política do seu país é parecido com o do Brasil de agora, que busca estabilidade


Apesar das leituras, não me arrisco a analisar a política russa. Apenas comparar o que li com o que vejo e tentar, através da experiência, entender um pouco o Brasil.

O momento em que Vladimir Putin surgiu na cena política russa é parecido, por razões diferentes, com a atual situação do Brasil. Depois de uma década de transição para o capitalismo, os russos sentiam o país mergulhado no caos e ansiavam por algo que Putin oferece: estabilidade.

Tanto lá, naquele período, como no Brasil de agora, há uma sensação de perda de importância no cenário internacional de baixa autoestima e um desejo difuso por mais comando e autoridade.

Como um ex-coronel da KGB, que atuou em Dresden, na época Alemanha Oriental, Putin se aproveitou da ampla campanha positiva em torno da KGB, dirigida pelo seu mais ilustre dirigente: Yuri Andropov.

Um dos pontos altos da campanha foi uma série sobre um espião russo que se tornou herói nacional: Maxim Isaev. Sob o nome de Max Otto von Stierlitz, ele se se infiltrou no governo alemão e impediu com seu trabalho um acordo entre Estados Unidos e Alemanha, destinado a prejudicar a União Soviética.

Stierlitz foi tema de uma série de extraordinário sucesso, intitulada “17 Momentos da Primavera”. Virou tema popular, jogos infantis de guerra. Segundo Arkady Ostrovsky, no livro “A invenção da Rússia”, Putin fez uma bela apariçao em cena, emulando o herói Stierlitz. No programa de TV em que foi apresentado, a música de fundo era a mesma da série, ele dirigia o mesmo carro Volga, enfim, era o homem certo para salvar a Rússia, nessa nova dificuldade.

Deu certo. A Rússia esperava alguém que a arrancasse da insegurança. E Putin passou a representar isto. Tanto que os jovens no período de seu governo são chamados de os filhos da estabilidade.

Putin é criticado pela oposição por falta de liberdades políticas. No entanto, certamente usando a máquina, consegue se reeleger com facilidade e também ao seu sucessor de plantão: Dimitri Medvedev.

O Brasil não passou por uma década de capitalização selvagem. Pelo contrário, o último período foi marcado por uma experiência estatizante, focada em aspirações socialistas.

A ascensão de Michel Temer não só não trouxe estabilidade, como transmitiu a certeza de que a corrupção continuava instalada no poder: eram todos do mesmo bloco predatório.

A greve dos caminhoneiros acentuou a sensação de desamparo dos brasileiros.

Fernando Henrique, numa entrevista, considerou a situação pré-revolucionária.

Discordo. Não vivemos um momento pré-Lenin. Estamos mais próximos de um momento pré-Putin.

Felizmente não temos nenhum herói nacional para ser emulado. Mas a televisão é um grande instrumento.

Influenciado pelo marxismo, analistas costumam culpar os asiáticos pelos traços autoritários na Rússia. Diziam que o Czar Nicolau era o Gengis Khan com telégrafo e Stalin o Gengis Khan com o telefone.

Os tempos passam, podem surgir Gengis Khan com televisão ou talvez até com internet.

Nessa plataforma, no entanto, será difícil prosperar, porque pelo menos teoricamente é um espaço democrático, uma Atenas digital.

O Globo