O Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU) apontou diversos riscos num acordo feito para garantir que as sete maiores centrais brasileiras – Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores (UGT) entre elas – recebam contribuições sindicais que podem chegar a R$ 465 milhões. O acordo foi mediado pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, e contou com as assinaturas das sete centrais, do Ministério do Trabalho e da Caixa Econômica Federal.
Após a reportagem do GLOBO procurar o Ministério Público do Trabalho (MPT), o órgão informou que Fleury decidiu acabar com o acordo. O arquivamento da mediação foi assinado por ele nesta quarta-feira.
O motivo para o arquivamento é que “o MPT não pode participar, ainda que como mero mediador, de qualquer ato que possa vir a onerar indevidamente os cofres públicos”, segundo justificativa do procurador-geral no termo de encerramento da mediação. Em auditoria, a CGU listou riscos no acordo, como falta de critérios para definir os valores a serem repassados, ausência de análise do impacto no Tesouro e no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a possibilidade de pagamentos duplicados a entidades.
A mesma auditoria chegou a identificar fraudes no repasse de R$ 6,3 milhões a duas entidades sindicais, dinheiro que seria uma restituição de contribuições sindicais mantidas em poder do governo federal. O relatório de 88 páginas detalha mecanismos fraudulentos usados pelas duas federações e por servidores do Ministério do Trabalho para destravar o dinheiro referente a contribuições sindicais, cujo montante de R$ 6,3 milhões foi considerado um prejuízo ao erário, com necessidade de ressarcimento aos cofres públicos.
A Polícia Federal (PF) entrou na história e passou a investigar a suposta fraude.
A CGU concluiu a auditoria em março deste ano. Os auditores se debruçaram sobre restituições de contribuições sindicais a entidades que teriam direito ao montante, depositado numa conta na Caixa, administrada pelo Ministério do Trabalho. O dinheiro é um resíduo, que acaba no banco em razão de erros em guias de recolhimento, e passou ser cobiçado pelas centrais depois de a reforma trabalhista acabar com a obrigatoriedade do pagamento de contribuição sindical por trabalhadores e empresas.
Em outubro do ano passado, as sete centrais sindicais, o Ministério do Trabalho e a Caixa assinaram um acordo para permitir que as entidades recebessem os resíduos de contribuições sindicais. A mediação do acordo foi feita pelo procurador-geral do Trabalho. A Advocacia Geral da União (AGU), no entanto, se recusou a assinar o termo. Advogados da União participaram das discussões, mas a Advogada-Geral da União, Grace Mendonça, decidiu não convalidar o acordo. Grace entendeu que existia uma “incerteza” sobre a “correta distribuição” de recursos com destinação ainda não identificada.
O acordo contava com a participação da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), além de CUT, Força Sindical e UGT. Nesta quarta, Fleury decidiu por fim ao termo de mediação. “O Ministério Público do Trabalho não pode participar, ainda que como mero mediador, de qualquer ato que possa vir a ensejar enriquecimento ilícito de pessoas físicas e jurídicas”, justificou o procurador-geral.
Assinaturas fraudadas
A contribuição sindical é paga por trabalhadores e empregadores, e está prevista tanto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) quanto na Constituição Federal. O recurso deve ser distribuído entre sindicatos, federações, confederações e uma conta administrada pelo Ministério do Trabalho. O dinheiro que vai para esta conta integra os recursos do FAT.
Cabe ao ministério fazer o registro das entidades sindicais e a distribuição dos recursos. Se não há uma indicação da entidade que deve receber o dinheiro, seja por erro ou por inexistência de filiação a uma central, o montante é encaminhado à conta administrada pela ministério. Um pedido de restituição pode, então, ser formalizado à pasta.
Os auditores da CGU foram a campo entre 21 de agosto e 30 de outubro do ano passado. Naquele mesmo mês de outubro, sete centrais e o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, procuraram o MPT para uma mediação sobre o pagamento desses resíduos da contribuição sindical. O termo de mediação, capitaneado pelo procurador-geral do Trabalho, foi assinado naquele mês – com exceção da AGU, que se recusou a assinar.
Pelo termo, o Ministério do Trabalho se comprometia a revogar ato que suspendeu processos de restituição da contribuição sindical. Além disso, ficou acertada a constituição de um grupo de trabalho, com a participação de representantes das centrais sindicais, para definir a destinação do dinheiro. O termo também estabelecia que os valores devidos deveriam ser repassados às centrais e que o grupo constituído deveria definir o índice de correção monetária a ser utilizado. O montante é referente ao intervalo entre 2008 e 2015.
“A análise sobre o instrumento pactuado demonstrou fragilidades relevantes, dentre as quais destacam-se a indefinição de critérios utilizados para apuração e repasse do ‘saldo residual’ às entidades sindicais, a celebração do acordo sem realizar análise sobre os impactos financeiros e orçamentários sobre a Conta Especial Emprego e Salário (administrada pelo Ministério do Trabalho), sobre o FAT e sobre o orçamento do Tesouro”, escreveram os auditores da CGU no relatório final. Eles apontaram ainda “ausência de controle para evitar pagamento de valores referentes a recolhimentos que já foram objeto de ressarcimento em pedidos anteriores, o que poderia configurar pagamento em duplicidade”.
Concluída a auditoria, uma cópia do documento foi encaminhada ao MPT e ao Ministério do Trabalho. A CGU recomendou que o termo de mediação não fosse validado sem a correção das fragilidades e riscos listados. O procurador-geral do Trabalho, então, expediu três ofícios ao ministério para que não houvesse liberações de recursos sem antes cumprir as recomendações da CGU. Na decisão que arquivou o acordo, Fleury afirmou que o encerramento vigora “até que a definição dos valores retidos pelo Ministério do Trabalho seja resolvida, tanto dos identificados quanto dos não identificados, com a expressa concordância dos órgãos de controle do Poder Executivo”.
Já as fraudes identificadas pelos auditores dizem respeito a restituições de contribuições sindicais solicitadas pela Federação dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Amapá (FETTHEBASA) e pela Federação Nacional dos Trabalhadores Celetistas nas Cooperativas do Brasil (Fenatracoop). O prejuízo estimado no primeiro caso é de R$ 3,8 milhões. No segundo, de R$ 2,5 milhões.
A auditoria aponta que o pedido da FETTHEBASA foi protocolado na Superintendência do Trabalho em Goiás, e não na Bahia, onde está a sede da federação. Além disso, parte do dinheiro solicitado é contrapartida de filiação de sindicatos que nada têm a ver com o objeto da FETTHEBASA, como é o Sindicato de Trabalhadores Petroleiros. Os auditores também detectaram fraudes nas assinaturas do presidente da federação e do chefe da seção da Superintendência do Trabalho em Goiás.
A CGU pede o ressarcimento dos recursos ao erário e uma investigação penal dos envolvidos. A PF entrou na história. O pedido é semelhante para a Fenatracoop. Os auditores detectaram que o processo não tramitou na Superintendência do Trabalho no DF.
Na semana passada, a PF deflagrou a Operação Registro Espúrio, que desarticulou um esquema de fraudes nas concessões de registros sindicais. O então número dois do Ministério do Trabalho, Leonardo Arantes, secretário-executivo da pasta, foi preso preventivamente. Ele é sobrinho do deputado Jovair Arantes (GO), líder do PTB na Câmara. Os gabinetes dele e de mais dois parlamentares – Paulinho da Força (SDD-SP) e Wilson Filho (PTB-PB) – foram alvo de mandados de busca e apreensão, autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Leonardo foi demitido do ministério.
Vinícius Sassine, O Globo