Depois de passar por uma das suas maiores crises políticas e econômicas, com a prisão de um ex-primeiro ministro por corrupção, Portugal está provando que recuperação sempre é possível, e quando bem conduzida consegue satisfazer a maioria da população. Uma pesquisa do European Social Survey (ESS), divulgada na semana passada, mostra que Portugal é o quarto país que mais confia em seus governantes entre 23 países europeus que participaram da enquete.
O salto da satisfação dos portugueses com seu governo foi impressionante. Em 2014, no auge do plano de austeridade implementado após a queda seguida de prisão do socialista José Sócrates, a nota média dada aos governantes pelos cidadãos foi de 3,01 em 10. Na pesquisa atual, que reflete o ânimo dos portugueses entre outubro de 2016 e junho do ano passado, a nota pulou para 5,02, ficando atrás apenas de Suíça, Noruega e Holanda, e imediatamente à frente de Alemanha e Suécia.
Como um país que passou por uma crise econômica que durou seis anos conseguiu em pouco mais de três dar uma guinada deste tamanho? A resposta é do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, que avalizaram o plano de reestruturação de Portugal. O país foi exemplar na condução das reformas em todos os setores da economia.
Cortou salário dos servidores em até 10%; aumentou o imposto sobre a renda, criando alíquota de 45% para os mais altos; reduziu drasticamente gastos correntes; reformou a legislação trabalhista. No seu programa de estabilidade, comprometeu-se com um déficit orçamentário de 0,2% do PIB até 2019, com superávits a partir daí.
A coligação política que governa o país, e que tem o apoio da população de acordo com a pesquisa da ESS, intriga a todos, e mesmo parlamentares da coalizão não sabem como ela se sustenta. Mas o que dá estabilidade ao país, segundo analistas locais, é exatamente a reunião do primeiro-ministro socialista António Costa com partidos de extrema esquerda em troca de pouquíssimas concessões. Costa mantém o programa de austeridade e em muitas medidas tem o suporte também dos partidos da centro-direita.
Para António Costa, trata-se de uma “geringonça” que funciona tanto à esquerda quanto à direita. Costa não teve o apoio dos radicais na votação da reforma trabalhista portuguesa, por exemplo, mas conseguiu aprová-la com os votos do Partido Social Democrata e de outros de centro-direita. O fato é que Portugal recuperou a economia, embora ainda mantenha um nível alto de desigualdade social para os padrões europeus. Os salários são bem mais baixos do que os de Alemanha, França, Suíça, dos países nórdicos ou mesmo da Espanha. Ainda assim, os portugueses estão felizes com seu governo.
Na pesquisa da ESS, no fim da fila, os países com menor grau de satisfação com seus governos são os inconformados de sempre: Espanha, França e Itália, com notas de 3,28, 3,2 e 3,07, respectivamente. Acima de Portugal, Suíça deu nota 6,58 aos governantes; Noruega deu 5,58 e Holanda atribuiu 5,46. A poderosa Angela Merkel ganhou de seus concidadãos nota 4,95, abaixo da nota mínima de aprovação que se pode esperar em qualquer teste.
Um outro dado da mesma pesquisa mostra que, embora estejam satisfeitos com o governo de Costa, os portugueses não se sentem felizes. Portugal é o terceiro país em que as pessoas estão menos satisfeitas com suas vidas e o 15º entre os que se dizem de um modo geral mais felizes. A incoerência entre os dois dados, segundo análise do jornalista Amílcar Correia feita para o jornal “Público”, resulta de um alívio gerado pelo “otimismo crônico” do primeiro-ministro e a adaptação aos novos patamares sociais gerados pelas medidas de austeridade na economia.
De resto, Portugal ensina que mesmo depois do pântano profundo, há espaço para acreditar em tempos melhores. Mas é preciso ter determinação e fazer concessões, pois não dá para ganhar sempre, em algum momento é preciso ceder. Prova também que sempre haverá gente capaz de liderar e levar um país para frente. Gente como Costa, o governante que em uma frase explicou por que sempre vale a pena acreditar no futuro:
“Mostramos que existe uma alternativa para a falta de alternativas”. Esta pode ser a grande lição para o Brasil pós PT e Temer.
Por Ascânio Seleme, O Globo