Entusiastas do controle de preços não
lidam com a realidade e sim com o
devaneio de que basta querer para que
os preços se ajustem a seus desejos
A despeito dos muitos exemplos da história recente do Brasil de que o controle de preços é invariavelmente danoso para a economia, esse expediente voltou a ser considerado válido pelo governo e por parte significativa da sociedade, agora para atender aos reclamos dos caminhoneiros que fizeram greve para obrigar a queda do preço do diesel. Houve até ministro que prometeu usar “todo o poder de polícia” para garantir que a redução do preço desse combustível acertada com os caminhoneiros chegasse aos postos – como se os preços na bomba não fossem livres.
Se controle de preços funcionasse, o Plano Cruzado teria sido um retumbante sucesso. Como se sabe, mas volta e meia se esquece, o Cruzado, lançado em fevereiro de 1986 pelo então presidente José Sarney, congelou preços na expectativa de finalmente conter uma inflação que àquela altura era típica de país conflagrado. “Iniciamos hoje uma guerra de vida ou morte contra a inflação”, anunciou Sarney na TV. O Brasil foi fragorosamente derrotado nesse combate porque, em resumo, não se pode revogar as leis básicas da economia.
Se a inflação desorganiza o mercado, porque se perde a noção de valor do dinheiro e dos produtos, o congelamento de preços igualmente afronta as relações econômicas. Preços têm a função de refletir a disponibilidade daquilo que é precificado. Uma vez tabelado, o preço deixa de cumprir essa função básica, desorientando os agentes econômicos e levando ao desabastecimento – afinal, não há porque produzir mercadorias se o preço destas, por estar congelado, não puder refletir os custos da produção, que sobem livremente.
Essa lição elementar foi ignorada em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff, quando a petista anunciou a redução das tarifas de energia elétrica, à custa do caixa da Eletrobrás, e manteve, para os leilões do setor, sua obsessão pela modicidade tarifária, que naturalmente afugentou os investidores.
Dilma cometeu o mesmo erro na Petrobrás, ao obrigar a estatal a subsidiar o preço dos combustíveis, artificialmente reprimidos na vã tentativa de conter a inflação. Levará ainda muitos anos até que todo esse passivo deixado pelo voluntarismo dilmista seja eliminado.
É evidente que, por ser administrado, o preço dos combustíveis sempre sofrerá alguma forma de controle, ainda mais considerando-se que a Petrobrás detém praticamente o monopólio do refino no Brasil. Ainda assim, a estatal não pode ignorar as variações internacionais dos preços, pois, se o fizer, estará onerando a empresa, gerando um prejuízo que recairá sobre o conjunto da sociedade sem que esta possa opinar a respeito.
A ruína da Petrobrás nos anos lulopetistas só foi revertida porque a empresa, sob a direção de Pedro Parente, realinhou seus preços aos do mercado internacional. Mas as forças do atraso demonstraram seu vigor com a greve dos caminhoneiros e com a reação oportunista de líderes políticos diante da crise. Como resultado, Parente deixou a Petrobrás e a empresa agora será levada a refrear seus reajustes. Até a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que se ausentou durante toda a crise dos caminhoneiros, reapareceu apenas para anunciar que haverá “regulamentação” da periodicidade dos aumentos de preços.
Esse tipo de interferência, todos deviam saber, não costuma acabar bem. Tome-se como exemplo a imposição do preço mínimo do frete, outra exigência dos caminhoneiros atendida pelo governo. Como esse preço agora não pode ser livremente negociado, os custos sofrerão aumento significativo – no setor de grãos, por exemplo, calcula-se uma alta de até 95%, que provavelmente não poderá ser compensada no preço final, uma vez que esse preço é definido pelo mercado internacional. Não à toa, vários setores da indústria e do agronegócio interromperam seus negócios e temem grandes prejuízos, além de perda de competitividade.
Nada disso foi levado em conta pelos entusiastas do controle de preços, pois eles não lidam com a realidade, e sim com o devaneio de que basta querer para que os preços se ajustem a seus desejos. Sem trocadilho, o preço a pagar por esse amadorismo será imenso.
Editorial do Estadão