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Cristina será processada por lavagem de dinheiro e fraude fiscal
MADRI — A infanta Cristina, uma das duas irmãs do rei Felipe VI, deve se sentar no banco dos réus quando começar o julgamento do Caso Nóos, num novo golpe contra a monarquia espanhola. O juiz que investiga há três anos suspeitas de desvio de dinheiro público pela empresa do marido da princesa tomou a decisão de manter o indiciamento dela nesta quarta-feira por lavagem de dinheiro e fraude fiscal, apenas seis dias depois da proclamação do novo monarca. As acusações podem levar a até 16 anos de prisão. Após tomar conhecimento da notícia nesta quarta-feira, a Casa Real expressou “total respeito à independência do poder jurídico”.
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Iñaki Urdangarin, cunhado de Felipe VI e que presidia o Instituto Nóos, também se sentará no banco dos réus. O marido da infanta é acusado por nove delitos, entre os quais, desvio de verbas — € 6 milhões —, prevaricação, falsificação e fraude. No total, serão 16 acusados entre as 32 pessoas que, inicialmente, estavam implicadas no processo.
‘'Há indícios de sobra que Cristina interveio lucrando em benefício próprio'’
- JOSÉ CASTRO DE PALMA DE MALLORCAJuiz que indiciou a princesa
O dinheiro desviado do instituto teoricamente sem fins lucrativos foi usado por Cristina para reformar seu palacete, comprar obras de arte, pagar aulas de salsa e merengue, vestidos, viagens de luxo e festa de aniversário de seus filhos, segundo o jornal “El Mundo”.
O caso provocou um escândalo na família real que contribuiu para derrubar a popularidade do rei Juan Carlos I, antes de sua abdicação em 2 de junho. As consequências do chamado Caso Nóos constituem um dos primeiros problemas que Felipe VI deve enfrentar, depois de ter assumido o trono em 19 de junho.
Desde a denúncia, em dezembro de 2011, a Casa Real manteve diferentes reações, destacou o diário “El País”. Não houve comentários sobre o indiciamento de Urdangarin, embora o então chefe da casa, Rafael Spottorno, tenha classificado o comportamento do genro do rei de “não exemplar” e, portanto, incapaz de continuar participando de eventos oficiais da família real.
Em abril de 2013, quando Cristina foi indiciada, o Palácio da Zarzuela expressou “surpresa” pela mudança de posição do magistrado, que havia rejeitado em ocasiões anteriores processar a princesa, mas ressaltou sua “imparcialidade”. A declaração foi interpretada como interferência e, por isso, quando a infanta foi novamente convocada a depor em janeiro passado, a Casa Real manifestou “respeito às decisões judiciais”. Nem mais uma linha “para evitar erros de interpretação”.
Nesta quarta, porém, a Casa Real citou pela primeira vez a “independência” do Poder Judiciário, num movimento considerado por analistas políticos como uma tentativa de se afastar do escândalo. Partidos políticos, como o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), também elogiaram a independência do Judiciário após ser anunciada a decisão de manter o indiciamento da princesa.
‘CRISTINA COLABOROU ATIVAMENTE COM O MARIDO’
Ao encerrar uma investigação iniciada em 2010 e que o chefe da Casa Real durante o reinado de Juan Carlos, Rafael Spottorno, chamou de “martírio”, o juiz José Castro emitiu um auto no qual conclui que “devem continuar imputados, entre outros, Iñaki Urdangarin e a infanta Cristina”, informou o tribunal. A decisão, no entanto, não é definitiva e pode ser objeto de recurso ante o próprio juiz ou ante a Audiência Provincial das Ilhas Baleares.
“Os crimes imputados a Iñaki Urdangarin dificilmente poderiam ter sido cometidos sem o conhecimento e aquiescência de sua mulher. Cristina de Bourbon colaborou ativamente com Iñaki Urdangarin nas irregularidades. Há indícios de sobra que ela interveio, em uma parte, lucrando em benefício próprio, e de outra, facilitando os meios para que seu marido o fizesse, mediante cooperação silenciosa de 50% de capital social dos fundos ilicitamente ingressados à entidade Aizoon”, explica Castro em seu auto.A procuradoria anticorrupção foi contrária ao indiciamento de Cristina pelo juiz Castro, para quem ela prestou depoimento em 8 de fevereiro. A infanta, de 49 anos, teria, segundo o magistrado, cooperado com o marido na suposta fraude.
Urdangarin e seu sócio Diego Torres cobraram mais de € 6 milhões a governos regionais para organizar eventos que gastaram apenas € 2 milhões. Eles receberam os contratos por meio do Instituto Nóos, que se apresentava na forma de uma organização sem fins lucrativos. A entidade, no entanto, desviava a verba para empresas privadas. Uma delas é a Aizoon, cujos proprietários eram Cristina e seu marido. O casal gastou dinheiro público para fins particulares, fazendo passar pelo Tesouro espanhol como despesas da empresa.