domingo, 29 de junho de 2014

Ex-guarda-costas diz que Fidel Castro adotou conforto capitalista

ANTONIO GONÇALVES FILHO - O ESTADO DE S.PAULO


Novo livro escrito por Juan Reinaldo Sánchez revela que ex-líder cubano bebia uísque escocês, tinha iate, ilhas e até helicóptero

Guarda-costas pessoal de Fidel Castro por 17 anos, Juan Reinaldo Sánchez garante que o líder cubano nunca viveu modestamente como diz, mas, ao contrário, desfrutou do luxo mesmo quando a economia cubana entrou em colapso após a queda do Muro de Berlim e o corte das subvenções de Moscou. Em A Vida Secreta de Fidel, Sánchez repete o que milhares de cubanos refugiados já adotaram como mantra - ele mesmo, nascido em Lisa, bairro pobre da região oeste de Havana, hoje mora em Miami e escreve, em A Vida Secreta de Fidel, que os serviços cubanos farão de tudo para desacreditar sua palavra e seu livro, que não é lá grande literatura, mas revela um ou dois segredos sobre Castro dignos de atenção.
Sánchez, que foi preso pelo regime cubano quando decidiu pedir aposentadoria, descreve a vida do líder revolucionário como a de um senhor feudal extravagante, dono do único barco de luxo de Cuba, um iate chamado Aquarama II, construído com madeira importada de Angola. Com ele, Fidel costumava navegar 45 minutos de sua marina privada para chegar a Cayo Piedra, uma "ilha paradisíaca" onde o comandante praticava pesca submarina e recebia só os amigos mais íntimos, entre eles o escritor colombiano Gabriel García Márquez.
Era raro estar a bordo um chefe de Estado, mas isso acontecia eventualmente, admite Sánchez. Nessas ocasiões, 'el jefe' pedia que o acompanhasse ao convés superior para admirar a bela vista da costa cubana, em particular a histórica Baía dos Porcos, onde, no dia 17 de abril de 1961, um contingente de exilados cubanos dirigidos pela CIA desembarcou para invadir Cuba.
Fidel Castro
Pero no mucho. Austeridade desmentida por Sánchez, que trabalhou 17 anos para o ditador
Divulgação
Nessa mesma condição de exilado hoje, Sánchez não esconde seu ressentimento. Afinal, foi preso por insubordinação. Fidel perdeu a confiança nele e, por renunciar ao serviço do comandante da Revolução, passou dois anos, de 1994 a 996, numa cela infestada de baratas. Segundo o guarda-costas, ele foi torturado e tentaram eliminá-lo. Depois de oito tentativas de fuga, finalmente conseguiu escapar, fugindo num barco, em 2008, para o México. Cruzou a fronteira e hoje mora em Miami, onde vive diante das câmeras de televisão denunciando as arbitrariedades do regime.
O marco inicial do livro diz respeito ao ano de 1989, e ele não está falando da queda do Muro de Berlim, mas do caso Ochoa, que Sánchez classifica como "o caso Dreyfus do castrismo". Após um processo classificado por ele de "stalinista", o general Arnaldo Ochoa, herói nacional, foi condenado por tráfico de drogas e fuzilado. Sánchez não nega o crime de Ochoa, mas garante que o tráfico foi organizado com o aval do comandante Fidel, "destinado a arrecadar divisas para a Revolução", segundo ele. Fidel, conclui o guarda-costas, teria interesse em eliminar o herói da Baía dos Porcos “para melhor se proteger".
Outro escândalo político denunciado pelo autor diz respeito ao episódio que ficou conhecido como a "crise de Mariel". Em 1980, cinco cubanos forçaram com um ônibus a entrada da Embaixada do Peru para pedir asilo político. Conseguiram. Fidel, em represália, retirou a proteção da frente do prédio e imediatamente 750 outros cubanos invadiram a missão diplomática, seguidos por outros 10 mil. Depois de três semanas, com a intercessão de Washington, 100 mil cubanos foram autorizados a deixar Cuba e se exilar nos EUA. Fidel, diz Sánchez, escolheu pessoalmente alguns dos piores delinquentes nas listas da administração penitenciária cubana e despachou-os para a Flórida no porto de Mariel, mobilizando ainda uma multidão hostil para cuspir e dar socos nos dissidentes.
Na época, Sánchez mal tinha começado seus estudos de contraespionagem na escolinha de Fidel. Ele garante que assimilou bem todas as técnicas ensinadas aos agentes cubanos, como as de seguir e despistar suspeitos que, segundo o ex-segurança, lhe foram bastante úteis quando ele fugiu de Cuba. Espionou tanto que gastou algumas páginas do livro para contar como a coronel do serviço de informação cubano, Juana Vera, conhecida como Juanita, passou dos limites do cargo para cair na cama do comandante numa noite regada a Chivas Regal. Segundo o guarda-costas, Fidel bebeu tanto que viu duas pessoas no espelho.
As amantes de Fidel são um capítulo à parte no livro, escrito em parceria com o jornalista francês Axel Gyldén, da revista L'Express. Além de Célia Sanchez, ele cita uma comissária de bordo e uma tradutora, afirmando que o número de filhos do ditador com esses casos extraconjugais é bem superior ao que ele teve com Dalia (cinco). Quanto aos novos guarda-costas (são 10, de acordo com Sánchez), todos eles têm o sangue compatível com o do comandante. Fidel, justifica seu ex-segurança, não confia em sangue estocado em bancos.
A VIDA SECRETA DE FIDEL
Autor: Juan Reynaldo Sanchez
Tradutora: Julia Simões
Editora: Paralela (248 págs., R$34,90).