RENNAN SETTI - O Globo
Investidores criticam contratação da petrolífera para produzir no pré-sal ao custo de R$ 2 bi só este ano
Bolsa brasileira teve sua maior queda em quase um mês nesta quarta-feira, prejudicada por recuos significativos nas ações da Petrobras e dos bancos. A petrolífera voltou a reagir à notícia que derrubou seus papéis na terça-feira, quando o governo a contratou para produzir até 14 bilhões de barris de petróleo no excedente da cessão onerosa feita pela União em 2010 — o que obrigará a estatal a pagar R$ 2 bilhões ainda este ano. O índice de referência Ibovespa encerrou em queda de 1,58%, aos 53.425 pontos. A Bolsa não caía tanto desde 30 de maio, quando recuara 1,91%. O giro financeiro foi de R$ 6,298 bilhões.
As ações ordinárias (com direito a voto) da Petrobras caíram 3,33% (R$ 16,23), e as preferenciais (sem voto) despencaram 1,98% (R$ 17,29). Entre o início do pregão de terça e o fim dos negócios de hoje, a empresa já perdeu R$ 13,249 bilhões em valor de mercado, valendo agora R$ 217,650 bilhões.
— Os investidores avaliam como arriscada a operação (entre governo e a estatal) porque a Petrobras vive uma situação delicada de endividamento. A companhia tem uma necessidade muito grande de caixa, importando derivados e vendendo a preço menor. Então, no curto prazo, é provável que as ações continuem pressionadas — afirmou Bruno Piagentini, analista da Coinvalores. — Já no médio e longo prazo, caso as reservas, hoje potenciais, se concretizem, pode ser que resulte em um bom negócio.
Expectativa de mais perdas para ação da Petrobras
Na avaliação do BTG Pactual, a operação aumenta o risco de que a empresa precise realizar aumento de capital em 2015, previu o banco em relatório divulgado nesta quarta-feira. Em entrevista na terça-feira, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, negou que haja planos de aumentar seu capital. Em 2010, a petrolífera realizou a maior capitalização já feita no mundo, de R$ 120 bilhões, para bancar a exploração do pré-sal.
“Além de mandar um sinal ‘esquisito’ para as agências de classificação de risco, com os empréstimos da Petrobras para o governo, coloca em risco uma boa parte da propriedade sobre a produção, a partir de 2016”, disseram os economistas Gustavo Gattass e Andres Cardona, responsáveis pelo relatório.
Pedro Galdi, analista da SLW Corretora, também diz que é possível que a Petrobras tenha que aumentar capital no ano que vem. Para ele, a empresa também pode ser obrigada a adiar projetos de longo prazo para focar em investimentos que gerem retornos mais imediatos na produção de petróleo.
— O negócio é bom para a Petrobras, mas o momento é péssimo. Isso porque vai gerar produção daqui a 15 anos, enquanto a empresa terá que fazer desembolsos até 2018. A companhia está muito endividada e é atingida por várias notícias ruins no momento. Essa é mais uma — disse, prevendo mais perdas nos papéis da estatal. — Agora, as ações só vão voltar a subir com pesquisas eleitorais desfavoráveis à Dilma.
Os bancos Bradesco e UBS reduziram para “neutra” sua recomendação para a Petrobras depois do anúncio do acordo com o governo.
— Está muito cedo para estabelecer o que é excedente nesses campos, não há ainda maturidade de prospecção. Embora o governo insista que a operação tem risco zero, pode ser que a extração das reservas não seja economicamente viável — analisou um gestor brasileiro que gere patrimônio de R$ 100 milhões e preferiu não ser identificado — Se não houver reajuste significativo nos preços dos combustíveis depois das eleições, a pressão por uma capitalização da companhia será muito forte. E, se ela foi feita, será muito mal recebida pelos investidores. Qual (acionista) minoritário vai compactuar com isso, pouco tempo depois de a empresa fazer um gigantesco aumento de capital? Os papéis vão sofrer ainda mais.
Inadimplência ajuda a derrubar bancos; Bradesco tem maior queda da Bolsa
Além da Petrobras, também contribuíram para o recuo no Ibovespa o desempenho do setor bancário. O Bradesco teve a maior queda do pregão, recuando 4,56% nos papéis preferenciais. Já o Itaú Unibanco caiu 3,17%.
— Houve aumento da inadimplência, segundo informou o BC, e isso por ter pressionado os papéis dos bancos. Mas eu vejo como um ajuste, já que o setor é o que mais se destaca na Bolsa este ano. O mercado não tem todo esse pessimismo que a queda de hoje sugere para o setor, não — disse Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.
Depois de permanecer estável desde o início do ano, a inadimplência voltou a subir no Brasil em maio, atingindo 5%, em cenário de juros maiores e inflação elevada. Entre janeiro a abril, a taxa ficara em 4,8% no segmento de recursos livres.
Além disso, o Bradesco aprovou na terça pagamento de R$ 829 milhões em dividendos intermediários relativos ao primeiro semestre de 2014, além de um programa de recompra de até 15 milhões de ações em 1 ano.
Já a Oi fechou em alta de 0,98% (R$ 2,06), depois de anunciar a venda de 1,641 mil torres de telefonia móvel, por R$ 1,172 bilhão, à SBA Torres. A Vale encerrou o pregão perto da estabilidade: recuou 0,17% nas ações ordinárias (R$ 28,66) e avançou 0,07% nas preferenciais (R$ 25,82). Nesta quarta-feira, o preço do minério de ferro, principal produto da companhia, sobe 0,4% no mercado internacional.
A Bolsa também foi afetada pelo mau humor que tomou conta dos mercados de Ásia e Europa após o recrudescimento dos conflitos no Iraque e na Ucrânia. Além disso, reagiu negativamente ao recuo maior que o esperado na economia americana no primeiro trimestre: 2,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, a maior queda desde o mesmo período de 2009.
Apesar disso, as ações americanas fecharam em alta. O Dow Jones subiu 0,29%, enquanto o S&P 500 avançou 0,49% e o Nasdaq, 0,68%.
Dólar cai à menor cotação desde abril
O dólar comercial fechou o dia com queda de 0,94%, cotado a R$ 2,204 para compra e R$ 2,206 para venda. É o menor valor desde 10 de abril, quando encerrou cotado a R$ 2,204 para venda. Na terça-feira, o Banco Central (BC) anunciou que seu programa de swap cambial — operação que equivale à venda de dólares no mercado futuro, usada para conter a alta da moeda americana — seguirá pelo menos até o fim deste ano no mesmo ritmo atual, que é de US$ 200 milhões por dia. O mercado esperava que a intervenção fosse reduzida.
— Além do efeito do esclarecimento da intervenção do BC, também houve influência do PIB americano abaixo das expectativas. Isso sinalizou para o investidor que a economia dos EUA continuará precisando de estímulos, que os juros continuarão baixos por lá e, portanto, o Brasil seguirá recebendo muitos dólares — afirmou Figueredo, da Clear.