O Congresso manteve nesta quinta-feira (20) o amplo congelamento salarial de servidores públicos até o fim de 2021, defendido pelo ministro Paulo Guedes (Economia).
Em votação folgada, a Câmara desfez a desastrada votação da quarta-
feira (19) no Senado, que queria desidratar a medida. Assim, o Congresso manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro e rejeitou a ideia de deixar uma brecha para que algumas categorias conseguissem aumentos salariais mesmo diante de uma crise nas contas públicas provocada pela pandemia do vírus chinês.
Desde cedo, foi feito um esforço de articulação política , acionando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes do centrão (como PP, PL e Republicanos). O resultado também representa êxito, no primeiro grande teste, do novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Foram 316 votos de deputados a favor do veto, e 165 contra. Eram necessários 257 votos de deputados para derrubar o ato de Bolsonaro. Sem atingir o patamar mínimo, o veto fica mantido.
Segundo o Ministério da Economia, deixar a possibilidade de reajuste para algumas carreiras, como policiais, médicos e professores, poderia representar um aumento de despesas entre R$ 98 bilhões e R$ 120 bilhões aos cofres da União, estados e municípios.
Bolsonaro declarou na manhã desta quinta-feira (20) que, se o veto fosse derrubado, seria impossível governar o Brasil. O Orçamento vem sendo pressionado nos últimos anos pelo crescimento de despesas obrigatórias, como aposentadorias e salários de servidores.
Na articulação desta quinta, interlocutores do governo afirmaram que, caso categorias fossem blindadas, o plano de prorrogar o auxílio emergencial poderia ser revisto. A estratégia foi colocar na conta dos parlamentares o desgaste de comprometer um programa de ajuda à população mais vulnerável durante a pandemia provocada pelo vírus chinês, Covid-19.
“Essa decisão é muito importante hoje porque o presidente [Bolsonaro] vai eventualmente anunciar uma prorrogação do auxílio emergencial, e esse impacto pode e vai certamente mudar a possibilidade dos valores e do prazo que esse auxílio vai ser prorrogado”, disse Barros.
O governo estuda estender o prazo de pagamento do auxílio emergencial, previsto para acabar nas próximas semanas. A prorrogação do benefício (talvez até o fim do ano) deve ser em valor menor que os atuais R$ 600.
Para tentar costurar um acordo na Câmara, Barros e o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), convocaram uma reunião para angariar votos entre deputados. O Planalto também contava com ação de governadores, que sofrem com a pressão por reajustes salariais.
Aliados do governo ficaram mais confiantes após a atuação de Maia. No início da tarde, ele reuniu líderes do centrão e, juntos, declararam preocupação com a situação dos gastos públicos se o Congresso deixasse a possibilidade de reajustes ao funcionalismo.
Num gesto incomum, Maia foi à tribuna de uma sessão do Congresso discursar: "Se ninguém vai ter condição de dar aumento, vamos trabalhar pela manutenção desse veto." Ele disse que a crise não acabou e defendeu o controle de gastos. “Quanto mais custa o Estado brasileiro, mais punido é o cidadão”.
Sem conseguir avançar na reforma administrativa (para reduzir despesa com o funcionalismo), Guedes apresenta o congelamento salarial amplo como triunfo de sua gestão.
O ministro aproveitou as discussões, no primeiro semestre, sobre um pacote de socorro financeiro a governadores e prefeitos durante a pandemia para incluir uma contrapartida: o congelamento salarial de servidores federais, estaduais e municipais até o fim de 2021.
Bolsonaro vetou a blindagem de categorias, como professores, médicos, enfermeiros, profissionais de limpeza urbana, agentes funerários, peritos, agentes socioeducativos e de assistência social, policiais (federais, civis, militares, rodoviários, etc) e as Forças Armadas.
Os congressistas não analisaram um aumento salarial específico, e sim a possibilidade de essas carreiras conseguirem novos reajuste nos próximos 18 meses.
Antigo partido de Bolsonaro, o PSL possui uma bancada formada por parlamentares ligados a corporações, especialmente da segurança pública. Apesar da pressão de servidores, o líder da sigla, Felipe Francischini (PSL-PR), orientou a bancada a votar pela manutenção do veto do presidente.
Deputado que atua como articulador informal do Planalto, o líder do PP, Arthur Lira (PP-AL), defendeu que a Câmara tenha responsabilidade fiscal e impedisse o aumento de gastos públicos, inclusive para preservar o auxílio emergencial.
O líder do Republicanos na Câmara, Jhonatan de Jesus (RR), disse que Bolsonaro tem enfrentado dificuldades para manter as contas públicas. “Não é contra o servidor, mas é sim com a responsabilidade das contas públicas.”
Nesta quarta, o Senado, por 42 votos a 30, decidiu pela derrubada do veto -- resultado da falta de confiabilidade nos acordos fechados entre o governo e os líderes partidários na Casa.
Senadores bolsonaristas, liderados pelo vice-líder do governo Izalci Lucas (PSDB-DF), se uniram a parlamentares da oposição, sendo responsáveis pela derrubada do veto. A ideia do grupo era dar uma espécie de recado ao governo. A moeda de troca que os senadores cobram é cumprimento de acordos feitos com o governo durante as votações.
O Palácio do Planalto reagiu com surpresa e indignação à votação do Senado porque acreditavam no acordo que havia sido feito.
Auxiliares do presidente apontam como traidores Soraya Thronicke (PSL-MS), Daniella Ribeiro (PP-PB), Jorginho Mello (PL-SC) e Izalci.
Até o final da tarde, não estava definido se e em que proporção haveria uma retaliação por parte do Planalto. Uma possibilidade era que Lucas perdesse a vice-liderança do governo no Senado.
No trabalho pela manutenção do veto na Câmara, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, conversou por telefone com Rodrigo Maia e com governadores. O general disse a interlocutores que a manutenção dos vetos conta com apoio dos chefes dos Executivos estaduais, inclusive no Nordeste, onde a maioria deles é de oposição ao governo Bolsonaro.
O congelamento salarial é, segundo integrantes da equipe econômica, uma forma de a renda do funcionalismo também ser atingido pela pandemia, já que trabalhadores da iniciativa privada perderam emprego ou tiveram o salário cortado.
Em linha com o time de Guedes, Maia também cobrou que o apoio do funcionalismo diante da crise: "Eu defendo que não é possível que com mais de 16 milhões de contratos de trabalhos suspensos do setor privado, quase 2 milhões de desempregados, a gente não possa dar um sinal aos milhões de brasileiros que o serviço público no mínimo não dará nenhum tipo de aumento até o próximo ano."
O presidente da Câmara e o ministro da Economia querem aprovar a reforma administrativa para conter o avanço do gasto com pessoal. Guedes chegou a apresentar uma versão da proposta ao Palácio do Planalto, mas Bolsonaro travou as discussões. Parte da base de apoio do presidente é formada por servidores públicos.