terça-feira, 30 de junho de 2020

Esquema de venda de decisões judiciais em São Paulo incluía reuniões com proibição a celular e promessa de ‘solução rápida’ em processos milionários

O Fórum da Justiça Federal ministro Pedro Lessa, na Avenida Paulista. 
Foto: Justiça Federal / Divulgação

A Polícia Federal cumpre nesta terça-feira, 30, mandados de busca e apreensão e de prisão contra um juiz e advogados investigados por suspeita de participação em um esquema de venda de decisões judiciais em São Paulo.
A investigação que levou uma força-tarefa composta por 60 agentes federais às ruas da capital paulista e do município de Mairiporã, na região metropolitana, na Operação Westminster, aponta a existência de uma organização criminosa na 21ª Vara Cível Federal de São Paulo.
Uma denúncia levada à Polícia Federal em março detalhou como operava o suposto esquema. O grupo escolhia processos milionários, se aproximava de uma das partes da ação e pedia uma ‘comissão’ de 1% para expedir requisições de pagamento (precatórios). A organização contaria com a participação do juiz federal Leonardo Safi de Melo, do diretor Divannir Ribeiro Barile e dos advogados Tadeu Rodrigues Jordan e Sérgio Santos.
A ação desta terça foi batizada de Westminster em referência ao distrito homônimo no centro de Londres, localizado próximo ao Palácio de Buckingham, residência oficial da família real inglesa. Isso porque, nas negociações em que Barile atuava como intermediário do esquema, o bacharel teria chegado a afirmar que falava em nome dos ‘ingleses’, em referência ao juiz titular da VaraO magistrado foi preso mais cedo.
O juiz Leonardo Safi de Melo. Foto: Reprodução / Instagram

Em uma das ações judiciais investigadas, sobre um processo de desapropriação de imóveis rurais pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que se arrasta há décadas, a organização criminosa teria solicitado vantagens indevidas para expedir um precatório no valor de R$ 700 milhões. O grupo teria prometido ‘solução rápida’ no processo que já tratava como ‘nosso’ em troca da comissão que, segundo Barile, era muito ‘pequena’ pela garantia da rapidez para o recebimento do montante. Ele teria se comprometido a expedir ofício requisitório de precatório até o final deste mês para houvesse o pagamento em 2021.
Segundo o Estadão apurou, as negociações aconteceram dentro da própria subseção judiciária, na secretaria e no gabinete de Melo, mas também nos escritórios do advogado Tadeu Jordan, nomeado pelo juiz como perito para atuar no processo uma vez que, segundo o magistrado, a Contadoria Judicial não teria condições de fazer as perícias necessárias em razão do volume da ação. Jordan teria apresentado outro advogado, Sérgio Santos, representante de um fundo financeiro que estaria interessado na compra do crédito judicial em discussão no processo. Nas reuniões, era regra entrar sem celular. O assédio aos alvos era persistente, com ligações e mensagens frequentes para tratar dos pagamentos.
Os alvos da PF são investigados por organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, concussão e peculato.
COM A PALAVRA, AS DEFESAS
A reportagem busca contato com a defesa do juiz Leonardo Safi de Melo e dos outros citados na Operação Westminster. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com).
COM A PALAVRA, A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS 
“A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) vêm a público se manifestar sobre os lamentáveis fatos noticiados no dia de hoje, referentes à Operação Westminster, que envolvem a suposta participação de advogados, servidores públicos e magistrado em eventos criminosos.
As associações defendem a rigorosa apuração dos fatos, com a devida observância aos postulados constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, com a devida punição dos responsáveis, sejam eles quem forem, após a regular instrução criminal, bem como o cumprimento regular das medidas cautelares cabíveis.
O trabalho da Magistratura Federal no combate à impunidade é de notabilidade indiscutível. O inquérito é de responsabilidade do Tribunal Regional Federal da 3a Região e o prestígio da instituição não pode ser arranhado por eventuais desvios, que, caso comprovados, devem ser punidos exemplarmente.
As associações acompanharão o desenrolar das investigações com calma e serenidade, sempre defendendo o cumprimento da lei e zelando pelo regular exercício da atividade jurisdicional.”

Fausto Macedo e Rayssa Motta, O Estado de São Paulo