Nas últimas eleições, em dez cidades do país, as abstenções e os votos nulos atingiram a média de 47%, segundo as informações na mídia. Deixando de lado características de cada cidade, uma evidência quase inédita pode ser um sintoma sério, grave e que estimula pensar: O que significa isso diante de uma crise profunda na classe política? Afinal, será essa atitude de uma fatia ainda pequena da população brasileira, um prenúncio de uma mudança transformadora da consciência política?
Recordo-me agora de um artigo de Walter Benjamin, pensador, crítico, escritor e filósofo alemão, Experiência e Pobreza, escrito em seu livro Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Ao final do seu belo e doloroso escrito, afirma: “Ficamos pobres. Abandonamos, uma a uma, todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ‘atual’. A crise econômica está diante da porta, atrás dela, uma sombra, a próxima guerra”. Benjamin estava se referindo à crise numa geração entre 1914 e 1918 na Europa e particularmente na Alemanha. Ainda em sua escrita lemos a terrível frase, que podemos aplicá-la aos brasileiros: “Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando experiência?”
Que essas abstenções e esses votos nulos representem, “diante da porta, atrás dela, uma sombra”, parafraseando o filósofo, o resgate da democracia brasileira, ainda imberbe e infantil.
É impossível haver mudanças nas próximas eleições se nós, eleitores, continuamos a ter uma atitude pueril, dependente e escravizada por políticos pobres, especialistas em roubo, corrupção e desafeto perverso pela população!
Será que essa amostra, ainda pequena, dos resultados delas últimas eleições toca o coração dos futuros candidatos? É possível que a classe média saia da sua “área de conforto”, assim como a população pobre acorde para um desastre iminente que possamos ter a partir de 2019. Votos nulos e abstenções são expressão de um vazio mais do que um simples protesto. Um vazio de vida humana civilizada que no momento ainda é preenchido pela barbárie e exploração do homem pelo próprio homem.
Nosso povo está esvaziado de educação, cultura e sentimento de auto-estima. “Apaguem os rastros”, diz o estribilho do primeiro poema Cartilha para os citadinos do intrigante e revolucionário Bertolt Brecht! Apaguemos os rastros da nossa política escravagista nas próximas eleições!
Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association
Com Blog do Noblat, Veja