MOSCOU — "Infelizmente não posso te mudar de quarto. Nosso hotel está cheio por muito tempo, é que vai ter um evento de futebol".
Esta foi a curiosa, e quase desconcertante, resposta de um recepcionista de uma grande rede de hotéis a um jornalista estrangeiro, faltando nove dias para a abertura da Copa, em Moscou. Nas mensagens não tão veladas que vem pelo tom da voz, um claro tratamento simplista que retrata a empolgação dos russos com o Mundial. "Um torneio de futebol", como se fosse mais um evento corriqueiro, e não o fenômeno que é a reunião das 32 melhores seleções do mundo a cada quatro anos. Um desavisado, apesar que é difícil encontrar um quando o assunto é Copa, nunca adivinharia que se trata de um campeonato com Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo, que foi visto por mais de três bilhões de pessoas quatro anos atrás e que atrairá cerca de dois milhões de turistas ao país-sede.
A verdade é que Moscou parece longe de experimentar a empolgação vivida nas cidades brasileiras quatro anos atrás. Com raras exceções, praticamente não há banners, faixas, bandeiras, qualquer referência à Copa do Mundo. Em eventos anteriores, como a reunião do G-20, ano passado, ou no feriado do "Dia da Vitória", todo ano, a capital russa apareceu muito mais "envelopada" e referenciada pelo acontecimento. O cenário pode mudar, mas até agora, é fato: a Copa não pegou.
A falta de protagonismo da seleção russa também não ajuda muito, há que se dizer. Nesta terça, no estádio do CSKA, a Rússia empatou com a Turquia por 1 a 1 em seu último amistoso antes da estreia, contra a Arábia Saudita, daqui a pouco mais de uma semana. A torcida compareceu em bom número, gritou e festejou, mas o clima geral é de ceticismo quanto ao desempenho dos donos da casa na Copa.
— Será que ganhamos da Arábia? Não sei. O treinador (Stanislav Cherchesov) é muito criticado, e a Rússia não tem jogadores atuando nas melhores ligas do mundo — analisa o jornalista esportivo russo Grigory Telingater
O amistoso de ontem, e o fim de semana prolongado da semana que vem (o "Dia da Rússia" é comemorado na segunda e terça antes da abertura do Mundial, na quinta, dia 14) são esperanças de um último gás para que os anfitriões se empolguem. No geral, a sensação, ainda mais para brasileiros que recentemente viveram a experiência de receber um Mundial, é que, mesmo acostumados à grandezas e protagonismos, a Rússia se surpreenderá com o furacão que é uma Copa. Por enquanto, nem mesmo os aeroportos, por onde chegam os torcedores, e a estação mais próxima ao estádio da final da Copa, o Luznik têm referências ao torneio.
Grigory, que fala português, esteve no Brasil cobrindo a Copa de 2014 e as Olimpíadas Rio-2016 e diz que não há como comparar a diferença de clima e empolgação entre os dois países.
— Mesmo com o futebol sendo o esporte número 1 na Rússia, não tem nem de perto a dimensão e a importância que os brasileiros conferem a ele.
O amistoso contra a Rússia passou longe das capas dos jornais locais. O principal destaque era o aumento do preço dos combustíveis e como o fato vem afetando a economia do país — qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
— Eu gosto de futebol, assisto aos jogos, mas acho que os russos não estão se importando tanto com a Copa, e sim estão mais preocupados com o aumento da gasolina — disse a russa Nataly Verkhovskaya.
A bem da verdade, também há russos dispostos a participar do clima do Mundial que — seja por falta de planejamento, seja por interesse tardio — ficaram sem ingresso para a festa. O casal Maxim e Tatiana Sibirstiev, ambos torcedores do CSKA, culparam problemas no site de compras da Fifa por não terem conseguido bilhetes para a Copa. O jeito foi curtir um pouco da expectativa pelo torneio no amistoso contra a Turquia, disputado no estádio que estão acostumados a frequentar. Mas não é a mesma coisa que uma Copa do Mundo — ou, pelo menos, do que se espera de uma Copa do Mundo.
— Ficamos chateados — resumiu Tatiana.
Todos os cerca de 30 mil ingressos do amistoso desta terça-feira foram vendidos antecipadamente. Dentro do estádio, os cânticos eram puxados por um grupo com algumas dezenas de torcedores, situados atrás de um dos gols. Com o avançar do relógio — e a queda de rendimento da seleção russa, que levou o empate turco no segundo tempo depois de abrir o placar com Samedov na primeira etapa —, as arquibancadas esfriaram.
Passaram a lembrar o clima de velório na entrada do estádio, em que o silêncio reinava.
Faltando poucos minutos para a bola rolar, a maior agitação no entorno da arena do CSKA era causada por um grupo de cambistas que tentavam empurrar bilhetes da partida para qualquer um. Estavam a poucos metros de policiais da OMON, o batalhão de choque da polícia russa, que apenas assistia à cena.
— Não há qualquer otimismo com a seleção — explicou o jornalista russo Dmitri Kusnetsov, do portal “Life.ru”, antes da partida. — Esta é talvez uma das gerações mais fracas de jogadores russos. Os atletas de hóquei são ídolos aqui no país. Já os jogadores de futebol sempre foram objeto de piadas. Quem tem visto os jogos da Rússia entende o que digo.
Uma hora e meia depois, o decepcionante empate com a Turquia — que terminou o jogo pressionando a Rússia — confirmaria as palavras de Dmitri. As expectativas aquém do esperado para a Copa também se explicam dentro de campo: com o resultado desta terça, a seleção russa chegará à estreia contra a Arábia Saudita sem nenhuma vitória em 2018:
foram três derrotas e o empate de hoje. O próximo compromisso, talvez o jogo mais importante da história da seleção desde o fim da União Soviética, é contra a Arábia Saudita, na abertura do Mundial. Ou da de "um torneio de futebol" que o país vai receber.
Por Bernardo Mello, Giovanni Sanfilippo, Renato Alexandrino, Tatiana Furtado e Thales Machado, O Globo