sexta-feira, 8 de junho de 2018

Um centro fora do eixo?

Os partidos tradicionais seguem na contramão dos anseios da população, ao apresentar alternativas eleitorais que representam velhos e surrados métodos de fazer política. O resultado é o desalento do eleitor, hoje em busca de um candidato que personifique o novo

Um centro fora do eixo?




Os brasileiros já deram caudalosas demonstrações de que estão em busca de um candidato capaz de encarnar a renovação política. Alguém dotado de credibilidade, sobre o qual não pese qualquer suspeita, e que personifique o tripé “eficiência, modernidade de gestão e sensibilidade social”. São exatamente os predicados que os ungidos pelos partidos tradicionais não conseguiram apresentar até agora. Pelo contrário, insistem no jogo surrado de velhas práticas e fórmulas. Ensaiam uma espécie de teatro do “mais do mesmo”, que, em vez de empolgar, provoca fastio no eleitor. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Idea Big Data entre os dias 8 e 13 de maio explicita esse sentimento de desalento. De acordo com o levantamento, 56% dos entrevistados não têm vontade de reeleger político algum nas próximas eleições. E 64% não pretendem votar em ninguém indicado até agora pelas agremiações clássicas e que esteja de alguma forma envolvido com a Operação Lava Jato ou qualquer outra das investigações sobre corrupção em curso, ainda que inocentes. Se as pesquisas eleitorais indicam tal situação, as urnas mostraram o efeito concreto dessa sensação na eleição extraordinária ocorrida no Tocantins no domingo 3. Nada menos que 43,5% dos eleitores anularam o voto, votaram em branco ou não compareceram aos postos de votação. O cenário de abatimento, que impõe ao eleitor uma prostração preocupante, se reproduz pelo País. Já quando são apresentadas caras novas, prevalece o reverso da moeda. Foi assim entre novembro do ano passado e abril deste ano, quando surgiram rumores de que o apresentador de TV Luciano Huck e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa poderiam se lançar na disputa. Mesmo sem confirmarem oficialmente suas candidaturas, ambos largaram na corrida eleitoral com dois dígitos, índices que a maioria dos candidatos ainda sua a camisa e gasta sola de sapato para alcançar. “Há um claro sentimento de renovação por parte do eleitorado que as opções atuais não explicitam”, atesta Murilo Hidalgo, do Instituto Paraná Pesquisas. Em outubro do ano passado, uma pesquisa realizada por ele já exibia esse quadro. De acordo com o levantamento, àquela altura 59,4% dos entrevistados diziam querer votar “em um candidato novo”, mesmo que não fosse muito conhecido – um perfil que se convencionou chamar de “outsider”. “Um candidato outsider, de fora, teria naturalmente muita chance de sucesso nestas eleições”, avalia Hidalgo.
João Doria é identificado como um político com retórica contundente, capaz de enfrentar os cáusticos Ciro e Bolsonaro
Doria ressurge como opção
Resta cada vez mais claro que parcela expressiva da população persegue um nome de centro, na acepção da palavra. Um postulante centrado que inspira confiança e traduza o equilíbrio, em contraposição ao extremismo que floresce à esquerda e à direita. De um lado, o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro (PSL), um político capaz de comparar a autorização dos ditadores do regime militar para executar opositores com mera “palmada no bumbum”. Do outro, o aspirante do PDT, o temperamental Ciro Gomes, que destila números equivocados sobre a economia e morde e assopra no reduto de Lula, como quem troca de abadá no carnaval. E em outra trincheira, mais próxima de Ciro, um PT que insiste em manter a candidatura de alguém que está preso, barrado pela Lei da Ficha Limpa e condenado a mais de 12 anos de detenção.
A opção mais lembrada para reaglutinar o centro é a de João Doria, prefeito de São Paulo, hoje pré-candidato ao governo do Estado. Foi o que revelou uma consulta às bases de MDB, DEM e PSDB. Além de personificar o “novo” que o eleitorado tanto procura e exibir currículo ainda imaculado, ao contrário do atual candidato tucano ao Planalto, Geraldo Alckmin, Doria é identificado como um político com “punch” e retórica contundente, alguém talhado para enfrentar na campanha os aspirantes situados nos extremos, hoje donos de discursos cáusticos. Na última semana, pesquisa do site Poder 360 colocou a alternativa na mesa. Em um dos cenários, Doria aparece empatado com Alckmin, mesmo estando fora da campanha presidencial. Um levantamento realizado pelo PSDB vai além: indica que Doria teria muito mais potencial de crescimento, caso entrasse na corrida eleitoral para valer. Não por acaso o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso permanece como um dos entusiastas da opção Doria. Nos últimos dias, confidenciou o desejo a pelo menos dois interlocutores. Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, o PSDB deveria arriscar a troca. “Minha opinião é que o PSDB está perdendo o bonde da história. Alckmin foi governador quatro vezes. E as pesquisas mostram que Bolsonaro ganha dele em São Paulo. Como pode isso? Doria poderia unificar esse centro. Só não sei se o PSDB teria cabeça fria suficiente para trocá-lo”.

Pólo democrático
Em princípio, parece que não. O tucanato, aparentemente à exceção de FHC, articula-se como se tivesse compromisso com o erro. Na última semana, os chamados partidos do espectro político de centro, PSDB incluído, voltaram a bater cabeça. Há entre eles quem acerte em cheio no diagnóstico, mas falhe gravemente na busca pela solução. “Nos últimos anos, tivemos a polarização de uma disputa entre o PSDB e o PT. Só que isso provavelmente não vai se repetir este ano. Diante desse sentimento novo, é nossa obrigação evitar que o País caia nas mãos de um aventureiro”, disse a ISTOÉ o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Pestana é um dos articuladores do Manifesto por um Pólo Democrático, que nos últimos dias começou a ganhar força ao tentar unir as candidaturas de centro. “O quadro parece repetir o que aconteceu em 1989, quando ninguém do campo democrático teve força para ir ao segundo turno. O resultado nós sabemos qual foi”, prossegue ele. Em 1989, Fernando Collor elegeu-se presidente. Como uma de suas primeiras medidas, confiscou o dinheiro nas contas bancárias e de poupança do brasileiro. Não conseguiu conter a hiperinflação e acabou caindo em um processo de impeachment, quando desvendou-se o esquema de corrupção em seu governo.
Movimento em favor da união dos candidatos de centro acerta no diagnóstico, mas por ora erra na solução
O movimento que conta com o apoio de FHC, idealizador de uma chapa PSDB / Marina Silva (Rede), constitui uma iniciativa louvável. Nas próximas semanas, a intenção do grupo é conversar com outros candidatos de centro. Nesta semana, serão procurados Alckmin, Rodrigo Maia (DEM) e Álvaro Dias (Podemos), que na ausência de um consenso come pelas beiradas. Mas é aí que reside o maior pecado da turma: tentar uma saída a partir dos nomes da atual lista de candidatos, que a população já demonstrou fartamente rejeitar. Ao agirem dessa forma, as agremiações políticas parecem esquecer do básico: ouvir o sentimento das ruas. Entender seus anseios. Medir o pulso do eleitor. Até agora, as legendas tradicionais da política brasileira se assemelham a uma bateria de escola de samba que atravessa na avenida. Resultado: enquanto o povo se põe a cantarolar um trecho de uma música, os caciques políticos entoam um canto completamente distinto. Na melodia dos desafinados, ninguém se entende. Perdem todos.
Hoje, o centro ostenta seis candidatos: além de Alckmin, Dias e Maia, figuram Henrique Meirelles, Flávio Rocha e Paulo Rabello de Castro – muitos dos quais mal apresentam um dígito nas pesquisas. Ou seja, quem tem seis, não tem nada. Alckmin, o menos pior do elenco, a julgar pelos mais recentes levantamentos de intenções de voto, não parece ter fôlego para ir até a reta final. Nem o apoio de MDB e DEM ele dispõe mais. Ambos os partidos já o reprovaram. Seja por problemas pretéritos, seja porque não querem entrar em canoa que aparenta furada. Apático, sem o chamado “sangue nos olhos”, o tucano insiste na ladainha de que o quadro será revertido em algum momento da campanha, como que por geração espontânea. Nos últimos dias, Alckmin protagonizou cenas lamentáveis em reuniões de bastidor. Na segunda-feira 4, um encontro no restaurante de um hotel em São Paulo mostrou como a situação da candidatura do PSDB exaspera os tucanos e mesmo o próprio candidato. Cobrado pelo fato de não conseguir passar de um percentual em torno de 6% nas pesquisas, Alckmin jogou o guardanapo sobre a mesa e perguntou aos presentes se eles preferiam ter outro candidato — e, nesse caso, pediu para que eles o escolhessem. Como o tucano jogou o guardanapo, mas não a toalha, deu-se ali a proverbial lavagem de roupa suja.
Com o excesso de votos brancos e nulos, os últimos presidentes eleitos não têm sido chancelados pela maioria
Enquanto não aparece na cédula o candidato ideal, parte do eleitorado acaba deixando o processo eleitoral de lado. O que representa um grave risco, porque, mais adiante, como cidadão, mesmo sem ter votado, ele emprestará ou não legitimidade ao nome eleito. No sistema eleitoral brasileiro, qualquer manifestação de não escolha dos nomes na disputa é retirada do cálculo final. Assim, votos nulos, em branco e abstenções não são contados. O problema é que, nesse caso, a realidade a se impor é que a maioria dos cidadãos não chancela a escolha. Em 2014, Dilma Rousseff elegeu-se com apenas 51% dos votos válidos. Ou seja, não teve o apoio da maioria, somados os votos em Aécio Neves com as manifestações dos que não votaram em nenhum dos dois. Dilma não teve um dia sequer de sossego. Enfrentou fortes manifestações e acabou deposta em um processo de impeachment. Com índices baixíssimos de popularidade, o atual presidente Michel Temer não parece viver situação melhor. A recente greve dos caminhoneiros e suas consequências foram prova disso.
O risco do caos
Com o centro mergulhado nesse mar de indefinições, o País derrete. A inflação emite sinais de retorno, o dólar bate a casa dos R$ 5, a bolsa embica para baixo e as empresas represam investimentos, enquanto o desemprego ainda castiga a população. Um próximo presidente radical, extremado, novamente sem a chancela da maioria, fatalmente manterá acesa a chama da crise. Para o professor Lúcio Rennó, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília, é aí que mora o problema. “O que fica muito claro é que o eleitor de centro está órfão de um candidato competitivo. Esse eleitor moderado tende a votar de forma pragmática: ele não é ideologicamente influenciado por movimentos ou partidos”. O Brasil quer mudar. O País almeja algo novo. Se as entidades políticas não compreenderem o clamor da população rapidamente, estarão todos condenados a naufragar nas urnas. Junto com a esperança do povo brasileiro.
Por Rudolfo Lago, Ary Filgueira, Tábata Viapiana, IstoE