O grandalhão de gravata e expressão compungida, ao contrário do boné e da mão atrevida com que se tornou infame, pediu desculpas num inglês trôpego.
“Fui desastrado”, alegou o elemento, identificado apenas pelo primeiro nome, Reslan. Julieth González Theran, colombiana que está cobrindo a Copa para o os canais em espanhol da corporação noticiosa do governo alemão, aceitou.
Reslan alegou que havia apostado com um amigo que seria capaz de “roubar” um beijo da repórter no meio de uma transmissão e que nem percebeu a mão boba no seio dela.
Dava até para ouvir como os gentis emissários de Vladimir Putin arrancariam o coro do abusado se não procurasse se redimir.
Putin não quer que nada estrague a Copa “dele” e domou até os brutais predadores que se passam por integrantes da torcida russa – os mesmo que mobiliza, quando interessa.
A Argentina também não quer dar vexame e mandou para a Rússia o diretor de Segurança de Eventos Esportivos. Em questão de horas, foram identificados os quatro argentinos que agrediram torcedores sérvios.
O governo argentino pediu que sejam detidos e deportados, para julgamento em solo pátrio. Também não é um enigma a identidade do argentino que resolveu seguir o exemplo nojento “daqueles” brasileiros e, cretinamente, postou um vídeo com uma linda jovem russa induzida a dizer obscenidades.
É bom nem imaginar o que os hooligans russos fariam se fossem liberados para vingar a honra nacional.
Também é quase inacreditável como pessoas que cresceram e se espalharam na era das comunicações globais instantâneas não se dão conta das imbecilidades que cometem contra seus próprios interesses.
Existe um prêmio inventado, chamado Darwin, dedicado a quem prejudica a si mesmo de moto próprio. O nome, claro, é uma ironia em relação aos protagonistas da seleção das espécies ao contrário.
Um dos maiores exemplos de como funciona a mente dos ganhadores do prêmio Darwin está no comportamento dos que continuam achando que só os próprios “amigos” vão ver o que é postado nas redes, fechadas ou abertas.
De certa maneira, é uma reação previsível. Humanos continuam a operar no espaço psicológico seguro que envolve, no máximo, umas poucas dezenas de outros humanos dos círculos mais próximos.
Quando postam uma bobagem no Face ou equivalente, espantam-se com as reações negativas. O efeito propagador das redes ainda não foi incorporado ao comportamento quotidiano.
Até profissionais que são pagos para atuar justamente nesse mundo têm seus percalços. Em geral, pelo desejo de que alguma coisa seja verdade.
É exemplar o caso da foto da menininha hondurenha Yanela Denise, fotografada chorando quando uma patrulha da guarda fronteiriça americana interceptou o carro onde ia a mãe dela, Sandra.
A revista time recortou a menininha da foto e a colocou diante de um ameaçador Donald Trump, com o título “Welcome to America”, como um símbolo poderoso da política de separar os filhos de pais que entram nos Estados Unidos clandestinamente.
Teve que fazer um desmentido, com a má vontade habitual. O pai da menina, Denis Javier Varela Hernández, disse que a mulher e a filha foram interceptadas na região fronteiriça, mas não separadas.
Aliás, ela havia sumido de casa com a caçula, sem avisar o marido nem os outros dois filhos. Uma foto de rede social mostrava-a sorridente, com Yanela e o marido, num carro.
A foto foi tirada no Texas por John Moore, da Getty, uma ótima agência, e divulgada com uma legenda vaga: mãe e filha haviam sido “mandadas para um centro de processamento para possível separação”.
A imagem desencadeou a maior campanha de crowdfunding, ou financiamento espontâneo, da história do Facebook, levantando 20 milhões de dólares, para organizações de assistência a imigrantes clandestinos.
Uma foto vale por mil palavras, mas se não for checada pode redundar em prejuízo moral. É claro que todos os que publicaram a comovente imagem da menininha de dois anos chorando por ser separada da mãe queriam dizer que Donald Trump é um monstro.
Acabaram dando mais argumentos ao presidente quando diz que a imprensa, na esmagadora maioria, o trata de maneira discriminatória.
A revista Time poderia ter verificado muito rapidamente a história de Sandra e Yanela. Preferiu continuar achando que vive num mundo onde todo mundo pode saber tudo, desde os autores de uma agressão física ou moral praticada por brucutus num campeonato de futebol até a história de vida de imigrantes.
Basta querer.
O Globo