terça-feira, 12 de junho de 2018

‘The Staircase‘: O longo e surpreendente julgamento por trás da nova série da Netflix


Michael Peterson no documentário ‘The Staircase’
Foto: Divulgação / Netflix
Michael Peterson no documentário ‘The Staircase’ - Divulgação / Netflix
Na madrugada de 9 de dezembro de 2001, Michael Peterson ligou para o 911 em pânico. "Minha esposa sofreu um acidente", disse ele.

"Que tipo de acidente?", o policial perguntou.

"Ela caiu da escada", respondeu Peterson, romancista e colunista do jornal local.

Peterson contava freneticamente ao policial como sua esposa, Kathleen — deitada numa poça de sangue ao pé de uma escada nos fundos da mansão do casal em Durham, Carolina do Norte —, estava respirando, mas inconsciente. Ele teve dificuldade em determinar de quantos degraus (”15, 20, eu não sei!”) ela tinha caído. “Por favor”, implorava, “Mande alguém aqui imediatamente”.

Em 20 de dezembro, Peterson foi acusado de assassinar a mulher, uma executiva de telecomunicações com laços proeminentes com a comunidade de Durham. O gabinete do promotor público argumentaria que os ferimentos de Kathleen Peterson, que incluíam várias lacerações na cabeça, eram inconsistentes com a queda da escada. Para os promotores, o marido havia espancado a mulher até a morte.

Em outubro de 2003, após um julgamento de três meses, um júri condenou Peterson a prisão perpétua, por homicídio em primeiro grau. Mas isso foi apenas o começo de uma confusa e muitas vezes inacreditável saga jurídica. Nos últimos dez anos e meio, o caso foi tema de vários documentários, um podcast da BBC e até mesmo um programa de comédia da NBC.

Na sexta-feira, a Netflix, que obteve sucesso nos últimos anos com séries de crimes reais, como "Making a murderer" e "The keepers", lançou uma versão atualizada de 13 episódios do premiado documentário "The staircase", de Jean-Xavier de Lestrade. A série expande o trabalho original de Lestrade, que foi ao ar como uma minissérie de televisão francesa em 2004 e chegou à televisão americana no ano seguinte.

Das teorias bizarras sobre como Kathleen Peterson morreu ao acordo judicial que acabou por libertar Michael Peterson da prisão, aqui está tudo o que você precisa saber sobre os eventos no centro da trama de "The staircase".

DEFESA
No episódio de abertura de "The Staircase", Peterson lembra ter passado uma boa noite com sua esposa. Ele teriam assistido a "Os queridinhos da América", alugado na Blockbuster. Estavam bebendo para comemorar a compra de um de seus romances para ser adaptado para o cinema. Passaram a noite conversando, como costumavam fazer, e acabaram saindo para descansar à beira da piscina.
De acordo com Peterson, Kathleen fez uma conferência telefônica e entrou na casa bem antes dele. Mais tarde, ele a encontrou ao pé da escada. Sua equipe jurídica, liderada pelo advogado de defesa David Rudolf, alegou que ela tinha misturado Valium com álcool e teria caído depois de "tentar subir de chinelos uma escada estreita e mal iluminada".

ACUSAÇÃO
Os promotores pintaram um quadro muito diferente. Eles argumentaram que Peterson espancou brutalmente sua esposa com um ferro de lareira e que as feridas na cabeça foram causadas por traumas de força contundente. Eles alegaram que Peterson tinha dívidas e consideraram uma apólice de seguro de vida de US$ 1,4 milhão como o motivo do crime.

FAMÍLIA
Os Peterson, que haviam sido casados antes, tinham cinco filhos entre eles. Michael tinha dois filhos biológicos, Todd e Clayton, e duas filhas adotivas, Margaret e Martha Ratliff. Kathleen teve uma filha biológica, Caitlin Atwater. Os filhos de Michael o apoiaram durante todo o julgamento.
Caitlin inicialmente apoiou Michael, mesmo servindo como porta-voz da família depois que ele foi acusado. Mas ao final do julgamento, ela havia rompido publicamente com o padrasto. "Após as discussões finais, quando tudo foi dito e feito, eu sabia o que tinha acontecido. Eu sabia o que tinha acontecido com a minha mãe", disse à “Indy Week“, no ano passado.

SEGREDOS
"Pelo que descobrimos, cada aspecto da vida de Mike Peterson é uma mentira", diz Jim Hardin, promotor público, no segundo episódio. Discrepâncias sobre o passado dele — e detalhes sobre sua vida pessoal — surgiram durante o julgamento.
A promotoria se concentrou em fotos e emails encontrados no computador de Peterson sugerindo vários casos extraconjugais com homens. Segundo a acusação, na noite do crime, Kathleen havia descoberto tudo. Michael garante que ela sabia sobre sua bissexualidade e estava ciente de que ele tinha feito sexo com outras pessoas.
Os promotores também destacaram o fato de que Peterson, candidato derrotado à prefeitura de Durham em 1999, havia inventado alguns detalhes de seu serviço militar — particularmente um ferimento em combate que, na verdade, teria acontecido num acidente de carro no Japão.

UM CASO ASSUSTADORAMENTE SEMELHANTE
Enquanto os promotores se preparavam para o julgamento, descobriu-se que a mãe das filhas adotivas de Peterson, Elizabeth Ratliff, também fora encontrada morta ao pé de uma escada, cerca de duas décadas antes. Ratliff morou perto de Peterson e de sua primeira esposa, Patty, em uma base militar na Alemanha. Na época, sua morte foi considerada o resultado de uma hemorragia cerebral. Mas, dadas as semelhanças, os promotores pediram que seu corpo fosse exumado e examinado por um médico legista da Carolina do Norte. A conclusão: a morte de Ratliff foi resultado de um homicídio.

A TEORIA DA CORUJA
Durante anos, Michael Peterson e os seus apoiadores lutaram contra a condenação. Larry Pollard, empresário em Durhan e advogado, afirmava que uma coruja havia atacado Kathleen Peterson, causando as lacerações que levaram à sua morte.

O ACORDO JUDICIAL
Após anos de apelações, Michael Peterson recebeu um novo julgamento e foi libertado em 2011, quando um juiz concluiu que uma importante testemunha de acusação havia mentido. A condenação foi anulada e uma nova data de julgamento marcada para maio de 2017.

Mas, em fevereiro do ano passado, Peterson tornou-se oficialmente um homem livre após entrar com um "Alford plea", um tipo de apelação judicial prevista na lei americana na qual o réu admite que a acusação tem provas contra ele que provavelmente levariam a uma condenação, mas ainda assim não admite o ato criminoso, mantendo a alegação de inocência.

Assim sendo, sob os termos do pedido, como explica o "Raleigh News & Observer", Peterson, "reconheceu que os promotores tinham provas suficientes para condená-lo por homicídio voluntário". Ele não era obrigado a passar mais tempo na prisão, pois foram considerados os oito anos que já havia servido atrás das grades.

Ambas as irmãs de Kathleen Peterson criticaram a decisão após o acordo judicial. “A expressão ‘Alford plea’ não faz sentido. Não significa nada. Culpado”, disse Candace Zamperini. “Você tirou brutalmente a vida de uma mulher que te sustentava, cuidava dos seus filhos, amava seus filhos. Ela te amava.”

“The Staircase“ está disponível na Netflix.