quarta-feira, 13 de junho de 2018

Paolo Rossi: 'Brasileiros eram arrogantes, até presunçosos'

Ex-zagueiro da seleção italiana e do Internazionale, Giuseppe Bergomi tem uma recordação concreta do 5 de julho de 1982 vivido no estádio Sarriá: a camisa que foi usada por Sócrates naquele Itália 3x2 Brasil. Mas não é o único. Além de ter sido o jogo que mudou a campanha italiana, a vitória sobre o Brasil o transformou no mais jovem atleta a estrear pela Azzurra numa Copa.

O Tio, como é mais conhecido hoje enquanto comentarista respeitado da Sky Sport Italia, estava incumbido de marcar Serginho Chulapa pela maior parte do confronto, apenas para depois ficar no mano a mano com Sócrates.

— No fim, quando entrou Paulo Isidoro, fui colar no Doutor. Cabrini ficou com Isisoro. Na prática eles não escalavam um centroavante de ofício, e aquele papel cabia a Sócrates. Eu, Beppe Bergomi, aos 18 anos, o considerava um jogador extraordinário. — lembra emocionado o zagueiro, que, na sua longa carreira, somou quatro participações em Copas do Mundo, superado apenas pelo goleiro da Juventus, Gianluigi Buffon.





O defensor foi lançado pelo técnico Enzo Bearzot aos 34 minutos de jogo, assim que Fulvio Collovati lesionou o tornozelo. Daquela tarde, passados 36 anos, além da emoção de estrear contra Zico, Falcão e Sócrates, Bergomi se lembra do l'atteggiamento comprensivo e da ajuda dos companheiros. Antes daquela tarde tórrida na Catalunha, Bergomi havia atuado pela Itália por apenas meia hora dois meses antes, num amistoso com a Alemanha Ocidental, em Leipzig.

— Todos eram generosos em dar conselhos — prossegue o Tio, apelido dado pelo colega do Inter e da seleção, Giampiero Marini, por causa do bigode preto e grosso de Bergomi, apesar da pouca idade.

— Eles eram grandes campeões ajudando um rapazinho como eu. Lembro que o Cabrini me motivou antes de eu entrar em campo.

E foi o próprio Cabrini, então lateral-esquerdo da Juventus, a conceder a primeira assistência da partida a Paolo Rossi. Uma canhota macia e precisa na cabeça do centrovante nascido na Toscana.

— O Brasil era considerado imbatível — admite Cabrini, que depois foi técnico na seleção italiana feminina. — Falcão jogava na Itália, nós o conhecíamos bem. Provavelmente foi uma das melhores seleções do século no Brasil. Jogar no mesmo nível que eles era um estímulo a mais para levar a vaga para casa.

Leandro, número 2, e Sócrates, 8, na histórica derrota para a Itália, em 1982 - Sebastião Marinho



Em Barcelona, a Itália tinha necessidade de vitória, enquanto o Brasil precisava apenas de um empate para avançar às semifinais.

— Aquela vitória — diz Bergomi — foi a centelha que fez o time inteiro decolar. Ficou em todos nós a lembrança, até hoje, de aquele triunfo foi de um grupo inteiro, e não apenas uma façanha de um ou outro indivíduo.

O ELO MAIS FRACO

Não obstante o peso da partida, Cabrini afirma que o vestiário se encontrava relaxado:

— Não houve uma preleção especial de Bearzot, muito porque a Itália tinha vencido a Argentina antes. Portanto, estávamos convencidos de que poderíamos ganhar do Brasil.
Paolo Rossi também descreveu o ambiente com impressões de“tranquilidade, serenidade e confiança, “como costumava ser com Bearzot", antes de encontrar sua vítima ideal em Waldir Peres, o goleiro brasileiro que atuava pelo São Paulo, morto em 2017.

— Eu era muito jovem, mas, com o passar dos anos, posso dizer que Waldir Peres era o elo mais fraco daquele seleção — afirma Bergomi, acrescentando, no entanto, que não tinha essa sensação naquele dia. — Na minha opinião, o que faltava aos brasileiros era um centroavante, um Careca. No lugar dele jogou Serginho, que era diferente, mas ainda assim poderoso. Em relação ao goleiro, talvez fosse o menos talentoso dentre os outros jogadores. Talvez, talvez.

Para Bergomi, o triunfo não foi simplesmente questão de explorar os erros de Peres e a insegurança de alguns outros.

— Do jeito que nós jogávamos, era vital não errar nas marcações — explica o Tio, que ao fim da Copa se tornaria o campeão do mundo mais jovem depois de Pelé. Para ele, a genialidade de Bearzot foi a de pôr Oriali na cola de Éder, um meia que caía pela ponta, enquanto Gentile pressionava Zico e Collovati cancelava Serginho. — Estas eram as coisas importantes, aprimorar a marcação. E se você fizer bem a defesa, logo atacará melhor.

O MAL E A LIÇÃO

É aqui talvez que reside um dos segredos daquele Brasil x Itália, uma humilhação jamais esquecida por aqueles que caíram em campo naquele dia. Trinta anos depois, Zico definiu aquela tarde como “a partida que fez mal ao futebol".

— Não, fez mal a eles — responde um sorridente Paolo Rossi, que terminou a Copa como artilheiro máximo, com seis gols. — Depois, num certo sentido, acabou fazendo bem a eles. Porque mudou o modo de jogar do Brasil. Eram muito arrogantes, atrevidos, até presunçosos. Se não tivessem anulado o gol do Antognoni, teríamos vencido por 4 a 2, um resultado mais justo, conforme o andamento da partida. Para eles, foi uma lição fundamental, à qual eles souberam dar valor depois.

Uma derrota inesperada da seleção de Telê Santana, influenciada talvez pelo desgaste brasileiro. A Itália chegava de uma campanha pífia com três empates em Vigo, no norte da Espanha, enquanto o Brasil dera espetáculo no bafo de Sevilha.

— Talvez o clima mais fresco de Vigo tenha nos poupado as energias — recorda Rossi, que encerrou seu magnífico ano de 1982 com a conquista da Bola de Ouro. — Para mim, aquele Brasil x Itália foi a volta por cima, porque eu chegava de um período difícil, bem complicado.

No ano de 1980, de fato, uma investigação sobre manipulação de partidas havia assombrado o Campeonato Italiano, afastando alguns de seus protagonistas, como o próprio Rossi, à época no Perugia. Foi suspenso por dois anos e só voltou a jogar em abril de 1982, nem três meses antes do encontro no Sarriá. Jogou só três partidas pela Juventus na temporada, e mesmo assim Bearzot, que morreu em 2010, o convocou.

— Bearzot é o técnico ao qual devo substancialmente tudo que fiz, e não apenas naquela Copa — diz o centroavante. — Foi fundamental. Estabelecemos uma ligação quase indissolúvel. Ele me devolveu à vida e me fez “Pablito".

E “Pablito”, com sua trifeta, devolveu a Itália à vida, dando-lhe a força e a convicção que a conduziriam até o topo. Depois do primeiro gol em Peres, jamais parou: fulminou depois Polônia e Alemanha na semifinal e na final. Mas tudo talvez fosse impossível sem a incrível torrente de emoções do Sarriá.

— Soubemos enfrentar a equipe mais forte da Copa — diz Bergomi, com a camisa de Sócrates e a recordação de uma estreia em Copas que nunca se cansará de contar.


Bruno  Bottaro, repórter do site MondoFutbol.com, da Itália - Com O Globo